Diário de um morto vivo (Parte II)

Meu primeiro assassinato

O sangue do meu "senhor" - assim é chamado, segundo a milenar tradição dos mortos vivos, pelo vampiro que foi criado ao vampiro que o criou - era e é para mim uma necessidade e uma dádiva da qual eu era o mais dependente dos viciados, o mais escravizado dos escravos.

Ainda assim, ele tirou seu braço da minha boca e impediu que eu continuasse minha alimentação, muito antes de eu estar saciado. Não havia bebido muito mais do que o necessário para ter passado pela transformação. Como resultado, eu me encontrava desesperadamente faminto por sangue, e ele sabia muito bem disso, pois, conforme ele mesmo me disse depois, a primeira fome de um vampiro recém criado é a mais forte de todas.

Mas Gerard, em sua generosidade, ou segundo o seu próprio conceito deformado e cínico de generosidade, não me deixara de todo desamparado. Ele me pediu para segui-lo, pois havia preparado uma surpresa para mim. E assim eu fiz, com a inocência e a confiança de uma criança pequena que acompanha a sua mãe.

Saímos de minha residência e passamos por três quarteirões até chegarmos a um beco escuro, onde costumavam ficar mendigos, vagabundos e outros elementos marginalizados pela sociedade. À noite, porém, era evitada até mesmo por esses elementos. Andamos pelo beco, "mal-assombrado", diriam, não sem razão, até chegarmos a um homem, um pobre diabo que eu não podia ter certeza se era um mendigo ou não.

Ele estava deitado e imobilizado no chão, amarrado e amordaçado. Ao nos ver, ou ver os nossos vultos, já que a claridade era escassa, ele começou a gemer, se debater, e a nos olhar como se implorasse por nossa misericórdia. Gerard olhou pra mim, sorriu e disse: "Vamos, minha criança. Hora de satisfazer sua fome."

Ao ouvir tais palavras, olhei para o homem e o seu olhar era de um completo desespero. Na verdade, seus olhos pareciam pular para fora das órbitas ao sentir a morte cortejá-lo tão de perto. O que eu estava prestes a fazer era horrível, mas na condição em que eu estava, creio que se fosse até um parente próximo no lugar daquele pobre homem, eu teria feito do mesmo jeito.

Sem pensar muito, senti minhas presas crescerem afiadas, obedecendo ao meu instinto assassino. A essa hora, o homem se debatia com toda a força e tentava gritar. Em uma fração de segundos, eu já estava em seu pescoço.

O deleite que eu obtinha através daquele sacrifício fazia eu esquecer todos os dilemas morais e éticos da prática daquele crime. Havia um prazer demoníaco em sentir o seu sangue fluir para dentro de mim, e mesmo ao sentir o coração, antes pulsando descontrolado devido ao pavor, ir reduzindo sua intensidade gradativamente, até cessar totalmente sua atividade.

Quando terminei meu banquete, ou, mais apropriadamente chamando, minha orgia, tinha em meus braços um cadáver que estava no mesmo estado em que Gerard anteriormente havia me deixado.

— Muito bem, minha criança! - era Gerard, bastante satisfeito em assistir minha degeneração - Estou vendo que eu não estava errado a seu respeito. Você será um ótimo vampiro! Formidável!

Eu o olhei e meu semblante transmitia o que eu sentia, finalizado o meu banquete: um misto de profunda decepção e perplexidade.

— John? John, meu amado John! Nós somos o que somos, somos predadores, estamos no topo da cadeia alimentar. Sentimentos como a compaixão não são mais adequados a nós. Deve, por acaso, o predador sentir compaixão por sua presa? Se os humanos não querem morrer, que não cruzem o nosso caminho! Você não é mais humano, portanto não é mais conveniente que fique preso a ideias humanitárias. John, meu querido, vou lhe ensinar tudo o que você precisa saber para ser um bom vampiro. Seremos companheiros por toda a eternidade!

Pensei em dizer algo como "Fico feliz por você ter deixado eu decidir o meu próprio destino", mas contive a provocação em meu pensamento, ponderando não ser prudente verbalizá-la. Limitei-me a sorrir, exibindo uma falsa complacência, da qual Gerard não tinha motivos para suspeitar.

Mas ele havia se enganado a meu respeito. Eu não era o predador frio e desumano que ele havia vislumbrado, a partir da leitura de meus livros que, reconheço, possuem um considerável apelo macabro. Ao contrário, a imagem daquele homem indefeso e apavorado que lutava desesperadamente pela vida, e que mesmo assim eu assassinei covardemente, vem me assombrar todas as noites.

Por quanto tempo terei que conviver com essa lembrança? Temo que nem o passar dos anos e mesmo séculos poderá apagá-la.

Josué

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