000 Ciência da Computação, Informação e Trabalhos Gerais


001 Conhecimento


002 O Livro


003 Sistemas


004 Processamento de Dados e Ciência da Computação


005 Programação de Computadores, Programas e Dados


006 Métodos Especiais de Computador


007 [não atribuído]


008 [não atribuído]


009 [não atribuído]


010 Bibliografia


011 Bibliografias


012 Bibliografias de Indivíduos


013 [não atribuído]


014 De Obras anônimas e Pseudônimas


015 Bibliografias de Obras de Locais Específicos


016 Bibliografias de Obras Sobre Assuntos Específicos


017 Catálogos de Assuntos Gerais


018 Catálogos Organizados Por Autor, data, Etc.


019 Catálogos de Dicionário


020 Biblioteconomia e Ciências da Informação


021 Relacionamentos com Bibliotecas


022 Administração da Planta Física


023 Gestão de Pessoal


024 [não atribuído]


025 Operações da Biblioteca


026 Bibliotecas Para Assuntos Específicos


027 Bibliotecas Gerais


028 Leitura e Uso de Outros Meios de Informação


029 [não atribuído]


030 Obras Enciclopédicas Gerais


031 Enciclopédias Em Inglês Americano


032 Enciclopédias Em Inglês


033 Em Outras Línguas Germânicas


034 Enciclopédias Em Francês, Occitano e Catalão


035 Em Italiano, Romeno e Idiomas Relacionados


036 Enciclopédias Em Espanhol e Português


037 Enciclopédias Em Línguas Eslavas


038 Enciclopédias Em Línguas Escandinavas


039 Enciclopédias Em Outros Idiomas


040 [não atribuído]


041 [não atribuído]


042 [não atribuído]


043 [não atribuído]


044 [não atribuído]


045 [não atribuído]


046 [não atribuído]


047 [não atribuído]


048 [não atribuído]


049 [não atribuído]


050 Publicações Seriadas Gerais


051 Seriados Em Inglês Americano


052 Seriados Em Inglês


053 Seriados Em Outras Línguas Germânicas


054 Seriados Em Francês, Occitano e Catalão


055 Em Italiano, Romeno e Idiomas Relacionados


056 Seriados Em Espanhol e Português


057 Seriados Em Línguas Eslavas


058 Seriados Em Idiomas Escandinavos


059 Seriados Em Outros Idiomas


060 Organizações Gerais e Ciência Museológica


061 Organizações na América do norte


062 Organizações nas Ilhas Britânicas; na Inglaterra


063 Organizações na Europa Central; na Alemanha


064 Organizações na França e Mônaco


065 Organizações na Itália e Ilhas Adjacentes


066 na Península Ibérica e Ilhas Adjacentes


067 Organizações na Europa Oriental; na Rússia


068 Organizações Em Outras Áreas Geográficas


069 Museu de Ciência


070 Mídia noticiosa, Jornalismo e Publicação


071 Jornais na América do norte


072 Jornais nas Ilhas Britânicas; na Inglaterra


073 Jornais da Europa Central; na Alemanha


074 Jornais na França e Mônaco


075 Jornais na Itália e Ilhas Adjacentes


076 na Península Ibérica e Ilhas Adjacentes


077 Jornais na Europa Oriental; na Rússia


078 Jornais na Escandinávia


079 Jornais Em Outras Áreas Geográficas


080 Coleções Gerais


081 Coleções Em Inglês Americano


082 Coleções Em Inglês


083 Coleções Em Outras Línguas Germânicas


084 Coleções Em Francês, Occitano e Catalão


085 Em Italiano, Romeno e Idiomas Relacionados


086 Coleções Em Espanhol e Português


087 Coleções Em Línguas Eslavas


088 Coleções Em Línguas Escandinavas


089 Coleções Em Outros Idiomas


090 Manuscritos e Livros Raros


091 Manuscritos


092 Bloco de Livros


093 Incunábulo


094 Livros Impressos


095 Livros notáveis ​​por Encadernações


096 Livros notáveis ​​por Ilustrações


097 Livros notáveis ​​por Propriedade Ou Origem


098 Obras Proibidas, Falsificações e Boatos


099 Livros notáveis ​​pelo Formato


100 Filosofia e Psicologia


101 Teoria da Filosofia


102 Diversos


103 Dicionários e Enciclopédias


104 [não atribuído]


105 Publicações Em Série


106 Organizações e Gestão


107 Educação, Pesquisa e Tópicos Relacionados


108 Tipos de Tratamento de Pessoas


109 Tratamento de Pessoas Históricas e Coletadas


110 Metafísica


111 Ontologia


112 [não atribuído]


113 Cosmologia


114 Espaço


115 Hora


116 Mudança


117 Estrutura


118 força e Energia


119 Número e Quantidade


120 Epistemologia, Causalidade e Humanidade


121 Epistemologia


122 Causalidade


123 Determinismo e Indeterminismo


124 Teleologia


125 [não atribuído]


126 O Eu


127 O Inconsciente e O Subconsciente


128 Humanidade


129 Origem e Destino das Almas Individuais


130 Parapsicologia e Ocultismo


131 Métodos Parapsicológicos e Ocultos


132 [não atribuído]


133 Tópicos Específicos Em Parapsicologia e Ocultismo


134 [não atribuído]


135 Sonhos e Mistérios


136 [não atribuído]


137 Grafologia Divinatória


138 Fisionomia


139 Frenologia


140 Escolas Filosóficas Específicas


141 Idealismo e Sistemas Relacionados


142 Filosofia Crítica


143 Bergsonismo e Intuicionismo


144 Humanismo e Sistemas Relacionados


145 Sensacionalismo


146 naturalismo e Sistemas Relacionados


147 Panteísmo e Sistemas Relacionados


148 Ecletismo, Liberalismo e Tradicionalismo


149 Outros Sistemas Filosóficos


150 Psicologia


151 [não atribuído]


152 Percepção, Movimento, Emoções e Impulsos


153 Processos Mentais e Inteligência


154 Estados Subconscientes e Alterados


155 Psicologia Diferencial e do Desenvolvimento


156 Psicologia Comparada


157 [não atribuído]


158 Psicologia Aplicada


159 [não atribuído]


160 Lógica


161 Indução


162 Dedução


163 [não atribuído]


164 [não atribuído]


165 Falácias e Fontes de Erro


166 Silogismos


167 Hipóteses


168 Argumento e Persuasão


169 Analogia


170 Ética


171 Sistemas Éticos


172 Ética Política


173 Ética das Relações Familiares


174 Ética Ocupacional


175 Ética de Recreação e Lazer


176 Ética do Sexo e Reprodução


177 Ética das Relações Sociais


178 Ética do Consumo


179 Outras normas Éticas


180 Filosofia Antiga, Medieval e Oriental


181 Filosofia Oriental


182 Filosofias Gregas Pré-socráticas


183 Filosofias Socráticas e Relacionadas


184 Filosofia Platônica


185 Filosofia Aristotélica


186 Filosofias Céticas e Neoplatônicas


187 Filosofia Epicurista


188 Filosofia Estóica


189 Filosofia Ocidental Medieval


190 Filosofia Ocidental Moderna


191 Filosofia dos Estados Unidos e Canadá


192 Filosofia das Ilhas Britânicas


193 Filosofia da Alemanha e Áustria


194 Filosofia da França


195 Filosofia da Itália


196 Filosofia de Espanha e Portugal


197 Filosofia da Antiga União Soviética


198 Filosofia da Escandinávia


199 Filosofia Em Outras Áreas Geográficas


200 Religião


201 Mitologia Religiosa e Teologia Social


202 doutrinas


203 Culto Público e Outras Práticas


204 Experiência Religiosa, Vida e Prática


205 Ética Religiosa


206 Líderes e Organização


207 Missões e Educação Religiosa


208 Fontes


209 Seitas e Movimentos de Reforma


210 Filosofia e Teoria da Religião


211 Conceitos de Deus


212 Existência, Cognoscibilidade e Atributos de Deus


213 Criação


214 Teodicéia


215 Ciência e Religião


216 [não atribuído]


217 [não atribuído]


218 Humanidade


219 [não atribuído]


220 Bíblia


221 Antigo Testamento (Tanakh)


222 Livros Históricos do Antigo Testamento


223 Livros Poéticos do Antigo Testamento


224 Livros Proféticos do Antigo Testamento


225 Novo Testamento


226 Evangelhos e Atos


227 Epístolas


228 Apocalipse (Apocalipse)


229 Apócrifos e Pseudepígrafes


230 Cristianismo e Teologia Cristã


231 Deus


232 Jesus Cristo e Sua Família


233 Humanidade


234 Salvação e Graça


235 Seres Espirituais


236 Escatologia


237 [não atribuído]


238 Credos e Catecismos


239 Apologética e Polêmica


240 Teologia Moral e devocional Cristã


241 Ética Cristã


242 Literatura devocional


243 Escritos Evangelísticos Para Indivíduos


244 [não atribuído]


245 [não atribuído]


246 Uso da Arte no Cristianismo


247 Móveis e Artigos de Igreja


248 Experiência, Prática e Vida Cristã


249 Observâncias Cristãs na Vida Familiar


250 Ordens Cristãs e Igreja Local


251 Pregação


252 Textos de Sermões


253 ofício e Trabalho Pastoral


254 Administração Paroquial


255 Congregações e Ordens Religiosas


256 [não atribuído]


257 [não atribuído]


258 [não atribuído]


259 Pastoral das Famílias e Tipos de Pessoas


260 Teologia Social e Eclesiástica


261 Teologia Social


262 Eclesiologia


263 Dias, Horários e Locais de Observância


264 Culto Público


265 Sacramentos, Outros Ritos e Atos


266 Missões


267 Associações Para Trabalhos Religiosos


268 Educação Religiosa


269 ​​renovação Espiritual


270 História do Cristianismo e Igreja Cristã


271 Ordens Religiosas na História da Igreja


272 Perseguições na História da Igreja


273 Controvérsias e Heresias doutrinárias


274 História do Cristianismo na Europa


275 História do Cristianismo na Ásia


276 História do Cristianismo na África


277 História do Cristianismo na América do norte


278 História do Cristianismo na América do Sul


279 História do Cristianismo Em Outras Áreas


280 Denominações e Seitas Cristãs


281 Igreja Primitiva e Igrejas Orientais


282 Igreja Católica Romana


283 Igrejas Anglicanas


284 Protestantes de Origem Continental


285 Presbiterianos, Reformados e Congregacionais


286 Batista, Discípulos de Cristo e Adventista


287 Igrejas Metodistas e Relacionadas


288 [não atribuído]


289 Outras denominações e Seitas


290 Outras Religiões


291 [não atribuído]


292 Religião Grega e Romana


293 Religião Germânica


294 Religiões de Origem Indiana


295 Zoroastrismo


296 Judaísmo


297 Islã, Babismo e Fé Bahai


298 (Número Opcional)


299 Religiões não Previstas Em Outro Lugar


300 Ciências Sociais


301 Sociologia e Antropologia


302 Interação Social


303 Processos Sociais


304 Fatores Que Afetam O Comportamento Social


305 Grupos Sociais


306 Cultura e Instituições


307 Comunidades


308 [não atribuído]


309 [não atribuído]


310 Coleções de Estatísticas Gerais


311 [não atribuído]


312 [não atribuído]


313 [não atribuído]


314 Estatísticas Gerais da Europa


315 Estatísticas Gerais da Ásia


316 Estatísticas Gerais da África


317 Estatísticas Gerais da América do norte


318 Estatísticas Gerais da América do Sul


319 Estatísticas Gerais de Outras Áreas


320 Ciência Política


321 Sistemas de Governos e Estados


322 Relação do Estado com Grupos Organizados


323 Direitos Civis e Políticos


324 O Processo Político


325 Migração Internacional e Colonização


326 Escravidão e Emancipação


327 Relações Internacionais


328 O Processo Legislativo


329 [não atribuído]


330 Economia


331 Economia do Trabalho


332 Economia Financeira


333 Economia da Terra e Energia


334 Cooperativas


335 Socialismo e Sistemas Relacionados


336 Finanças Públicas


337 Economia Internacional


338 Produção


339 Macroeconomia e Tópicos Relacionados


340 Leis


341 Lei das Gentes


342 Direito Constitucional e Administrativo


343 Direito Militar, Fiscal, Comercial e Industrial


344 Direito Trabalhista, Social, Educacional e Cultural


345 Direito Penal


346 Direito Privado


347 Processo Civil e Tribunais


348 Leis, Regulamentos e Casos


349 Lei de Jurisdições e Áreas Específicas


350 Administração Pública e Ciência Militar


351 Administração Pública


352 Considerações Gerais da Administração Pública


353 Campos Específicos da Administração Pública


354 Administração de Economia e Meio Ambiente


355 Ciência Militar


356 Forças de Infantaria e Guerra


357 Forças Montadas e Guerra


358 força aérea e Outras Forças Especializadas


359 Forças Marítimas e Guerra


360 Problemas e Serviços Sociais; Associações


361 Problemas Sociais e Bem-estar Social Em Geral


362 Problemas e Serviços de Bem-estar Social


363 Outros Problemas e Serviços Sociais


364 Criminologia


365 Instituições Penais e Relacionadas


366 Associações


367 Clubes Gerais


368 Seguros


369 Diversos Tipos de Associações


370 Educação


371 Escolas e Suas Atividades; Educação Especial


372 Ensino Fundamental


373 Ensino Secundário


374 Educação de Adultos


375 Currículos


376 [não atribuído]


377 [não atribuído]


378 Ensino Superior


379 Questões de Políticas Públicas na Educação


380 Comércio, Comunicações e Transportes


381 Comércio


382 Comércio Internacional


383 Comunicação Postal


384 Comunicações; Telecomunicação


385 Transporte Ferroviário


386 Hidrovia Interior e Transporte Por Balsa


387 Transporte Aquático, aéreo e Espacial


388 Transporte; Transporte Terrestre


389 Metrologia e Padronização


390 Costumes, Etiqueta e Folclore


391 Traje e Aparência Pessoal


392 Costumes do Ciclo de Vida e Vida doméstica


393 Costumes de Morte


394 Costumes Gerais


395 Etiqueta (Modos)


396 [não atribuído]


397 [não atribuído]


398 Folclore


399 Costumes de Guerra e Diplomacia


400 Idioma


401 Filosofia e Teoria


402 Miscelânea


403 Dicionários e Enciclopédias


404 Tópicos Especiais


405 Publicações Seriadas


406 Organizações e Gestão


407 Educação, Pesquisa e Tópicos Relacionados


408 Tipos de Tratamento de Pessoas


409 Tratamento Geográfico e de Pessoas


410 Linguística


411 Sistemas de Escrita


412 Etimologia


413 Dicionários


414 Fonologia e Fonética


415 Gramática


416 [não atribuído]


417 Dialetologia e Linguística Histórica


418 Uso Padrão e Linguística Aplicada


419 Línguas de Sinais


420 Inglês e Inglês Antigo


421 Sistema de Escrita e Fonologia do Inglês


422 Etimologia Inglesa


423 Dicionários de Inglês


424 [não atribuído]


425 Gramática Inglesa


426 [não atribuído]


427 Variações da Língua Inglesa


428 Uso Padrão do Inglês


429 Inglês Antigo (Anglo-saxão)


430 Línguas Germânicas; Alemão


431 Sistemas de Escrita e Fonologia Alemães


432 Etimologia Alemã


433 Dicionários Alemães


434 [não atribuído]


435 Gramática Alemã


436 [não atribuído]


437 Variações da Língua Alemã


438 Uso Padrão Em Alemão


439 Outras Línguas Germânicas


440 Línguas Românicas; Francês


441 Sistemas de Escrita e Fonologia Franceses


442 Etimologia Francesa


443 Dicionários Franceses


444 [não atribuído]


445 Gramática Francesa


446 [não atribuído]


447 Variações da Língua Francesa


448 Uso Padrão do Francês


449 Occitano e Catalão


450 Italiano, Romeno e Idiomas Relacionados


451 Sistemas de Escrita e Fonologia Italianos


452 Etimologia Italiana


453 Dicionários Italianos


454 [não atribuído]


455 Gramática Italiana


456 [não atribuído]


457 Variações da Língua Italiana


458 Uso Padrão Em Italiano


459 Romeno e Idiomas Relacionados


460 Idiomas Espanhol e Português


461 Sistemas de Escrita e Fonologia do Espanhol


462 Etimologia Espanhola


463 Dicionários de Espanhol


464 [não atribuído]


465 Gramática Espanhola


466 [não atribuído]


467 Variações da Língua Espanhola


468 Uso Padrão do Espanhol


469 Portugueses


470 Idiomas Itálicos; Latim


471 Escrita e Fonologia do Latim Clássico


472 Etimologia Latina Clássica


473 Dicionários Clássicos de Latim


474 [não atribuído]


475 Gramática Latina Clássica


476 [não atribuído]


477 Latim Antigo, Pós-clássico e Vulgar


478 Uso do Latim Clássico


479 Outras Línguas Itálicas


480 Línguas Helênicas; Grego Clássico


481 Escrita e Fonologia do Grego Clássico


482 Etimologia do Grego Clássico


483 Dicionários de Grego Clássico


484 [não atribuído]


485 Gramática Grega Clássica


486 [não atribuído]


487 Grego Pré-clássico e Pós-clássico


488 Uso do Grego Clássico


489 Outras Línguas Helênicas


490 Outros Idiomas


491 Línguas Indo-europeias Orientais e Celtas


492 Línguas Afro-asiáticas; Línguas semíticas


493 Línguas Afro-asiáticas não semíticas


494 Altaico, Urálico, Hiperbóreo e Dravidiano


495 Idiomas do Leste e Sudeste Asiático


496 Línguas Africanas


497 Línguas nativas da América do norte


498 Línguas nativas da América do Sul


499 Austronésio e Outras Línguas


500 Ciências naturais e Matemática


501 Filosofia e Teoria


502 Diversos


503 Dicionários e Enciclopédias


504 [não atribuído]


505 Publicações Em Série


506 Organizações e Gestão


507 Educação, Pesquisa e Tópicos Relacionados


508 História natural


509 Tratamento Histórico, Geográfico e de Pessoas


510 Matemática


511 Princípios Gerais da Matemática


512 Álgebra


513 Aritmética


514 Topologia


515 Análise


516 Geometria


517 [não atribuído]


518 Análise Numérica


519 Probabilidades e Matemática Aplicada


520 Astronomia e Ciências Afins


521 Mecânica Celestial


522 Técnicas, Equipamentos e Materiais


523 Corpos e Fenômenos Celestes Específicos


524 [não atribuído]


525 Terra (Geografia Astronômica)


526 Geografia Matemática


527 navegação Celestial


528 Efemérides


529 Cronologia


530 Física


531 Mecânica Clássica; Mecânica Sólida


532 Mecânica dos Fluidos; Mecânica Líquida


533 Mecânica dos Gases


534 Som e Vibrações Relacionadas


535 Fenômenos de Luz, Infravermelho e Ultravioleta


536 Calor


537 Eletricidade e Eletrônica


538 Magnetismo


539 Física Moderna


540 Química e Ciências Afins


541 Físico-química


542 Técnicas, Equipamentos e Materiais


543 Química Analítica


544 [não atribuído]


545 [não atribuído]


546 Química Inorgânica


547 Química Orgânica


548 Cristalografia


549 Mineralogia


550 Ciências da Terra


551 Geologia, Hidrologia e Meteorologia


552 Petrologia


553 Geologia Econômica


554 Ciências da Terra da Europa


555 Ciências da Terra da Ásia


556 Ciências da Terra da África


557 Ciências da Terra da América do norte


558 Ciências da Terra da América do Sul


559 Ciências da Terra de Outras Áreas


560 Paleontologia; Paleozoologia


561 Paleobotânica; Microorganismos Fósseis


562 Invertebrados Fósseis


563 Fósseis de Invertebrados Marinhos e Costeiros


564 Moluscos Fósseis e Moluscóides


565 Artrópodes Fósseis


566 CorDados Fósseis


567 Vertebrados Fósseis de Sangue Frio; Peixes Fósseis


568 Pássaros Fósseis


569 Mamíferos Fósseis


570 Ciências da Vida; Biologia


571 Fisiologia e Assuntos Relacionados


572 Bioquímica


573 Sistemas Fisiológicos Específicos Em Animais


574 [não atribuído]


575 Peças e Sistemas Específicos Em Plantas


576 Genética e Evolução


577 Ecologia


578 História natural dos Organismos


579 Microrganismos, Fungos e Algas


580 Plantas (Botânica)


581 Tópicos Específicos Em História natural


582 Plantas Conhecidas Por Características e Flores


583 Dicotiledôneas


584 Monocotiledôneas


585 Gimnospermas; Coníferas


586 Plantas sem sementes


587 Plantas Vasculares sem sementes


588 Briófitas


589 [não atribuído]


590 Animais (Zoologia)


591 Tópicos Específicos Em História natural


592 Invertebrados


593 Invertebrados Marinhos e Costeiros


594 Moluscos e Moluscóides


595 Artrópodes


596 Vertebrados


597 Vertebrados de Sangue Frio; Peixes


598 Pássaros


599 Mamíferos


600 Tecnologia


601 Filosofia e Teoria


602 Miscelânea


603 Dicionários e Enciclopédias


604 Tópicos Especiais


605 Publicações Seriadas


606 Organizações


607 Educação, Pesquisa e Tópicos Relacionados


608 Invenções e Patentes


609 Tratamento Histórico, Geográfico e de Pessoas


610 Medicina e Saúde


611 Anatomia Humana, Citologia e Histologia


612 Fisiologia Humana


613 Saúde e Segurança Pessoal


614 Incidência e Prevenção de Doenças


615 Farmacologia e Terapêutica


616 Doenças


617 Cirurgia e Especialidades Médicas Relacionadas


618 Ginecologia, Obstetrícia, Pediatria e Geriatria


619 [não atribuído]


620 Engenharia e Operações Aliadas


621 Física Aplicada


622 Mineração e Operações Relacionadas


623 Engenharia Militar e Náutica


624 Engenharia Civil


625 Engenharia de Ferrovias e Estradas


626 [não atribuído]


627 Engenharia Hidráulica


628 Engenharia Sanitária e Municipal


629 Outros Ramos da Engenharia


630 Agricultura e Tecnologias Relacionadas


631 Técnicas, Equipamentos e Materiais


632 Lesões, Doenças e Pragas Em Plantas


633 Culturas de Campo e Plantações


634 Pomares, Frutas e Silvicultura


635 Culturas Hortícolas (Horticultura)


636 Criação de Animais


637 Processamento de Laticínios e Produtos Relacionados


638 Cultura de Insetos


639 Caça, Pesca e Conservação


640 Gestão doméstica e Familiar


641 Comida e Bebida


642 Refeições e Serviço de Mesa


643 Habitação e Equipamentos domésticos


644 Utilidades domésticas


645 Móveis domésticos


646 Costura, Roupas e Vida Pessoal


647 Gestão de domicílios Públicos


648 Limpeza


649 Criação de Filhos e CuiDados domiciliares de Pessoas


650 Serviços de Gestão e Auxiliares


651 Serviços de Escritório


652 Processos de Comunicação Escrita


653 Taquigrafia


654 [não atribuído]


655 [não atribuído]


656 [não atribuído]


657 Contabilidade


658 Administração Geral


659 Publicidade e Relações Públicas


660 Engenharia Química


661 Produtos Químicos Industriais


662 Explosivos, Combustíveis e Produtos Relacionados


663 Tecnologia de Bebidas


664 Tecnologia Alimentar


665 Óleos, Gorduras, Ceras e Gases Industriais


666 Cerâmica e Tecnologias Afins


667 Tecnologias de Limpeza, Cor e Revestimento


668 Tecnologia de Outros Produtos Orgânicos


669 Metalurgia


670 Fabricação


671 Metalurgia e Produtos de Metal Primário


672 Ferro, aço e Outras Ligas de Ferro


673 Metais não Ferrosos


674 Processamento de Madeira Serrada, Produtos de Madeira e Cortiça


675 Processamento de Couro e Peles


676 Tecnologia de Celulose e Papel


677 Têxteis


678 Elastômeros e Produtos Elastômeros


679 Outros Produtos de Materiais Específicos


680 Fabricação Para Usos Específicos


681 Instrumentos de Precisão e Outros Dispositivos


682 Trabalhos de Pequena Forja (Ferraria)


683 Ferragens e Eletrodomésticos


684 Oficinas de Móveis e Casa


685 Artigos de Couro, Peles e Produtos Relacionados


686 Impressão e Atividades Relacionadas


687 Roupas e Acessórios


688 Outros Produtos Finais e Embalagens


689 [não atribuído]


690 Edifícios


691 Materiais de Construção


692 Práticas Auxiliares de Construção


693 Materiais e Finalidades Específicas


694 Construção Em Madeira e Carpintaria


695 Cobertura de Telhado


696 Utilitários


697 Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado


698 Acabamento Detalhado


699 [não atribuído]


700 As Artes; Artes Plásticas e decorativas


701 Filosofia das Artes Plásticas e decorativas


702 Miscelânea de Artes Plásticas e decorativas


703 Dicionários de Artes Plásticas e decorativas


704 Tópicos Especiais Em Artes Plásticas e decorativas


705 Publicações Seriadas de Artes Plásticas e decorativas


706 Organizações e Gestão


707 Educação, Pesquisa e Tópicos Relacionados


708 Galerias, Museus e Coleções Particulares


709 Tratamento Histórico, Geográfico e de Pessoas


710 Arte Cívica e Paisagística


711 Planejamento de Área


712 Arquitetura Paisagística


713 Arquitetura Paisagística de Vias de Trânsito


714 Recursos Hídricos


715 Plantas Lenhosas


716 Plantas Herbáceas


717 Estruturas Em Arquitetura Paisagística


718 Projeto Paisagístico de Cemitérios


719 Paisagens naturais


720 Arquitetura


721 Estrutura Arquitetônica


722 Arquitetura até aproximadamente o ano 300


723 Arquitetura entre os anos de 300 a 1399


724 Arquitetura de 1400


725 Estruturas Públicas


726 Edifícios Para Fins Religiosos


727 Edifícios Para Educação e Pesquisa


728 Edifícios Residenciais e Relacionados


729 Design e Decoração


730 Artes Plásticas; Escultura


731 Processos, Formas e Temas de Escultura


732 Escultura até aproximadamente o ano 500


733 Escultura Grega, Etrusca e Romana


734 Escultura entre os anos de 500 a 1399


735 Escultura de 1400


736 Escultura e Esculturas


737 Numismática e Sigilografia


738 Artes Cerâmicas


739 Metalurgia Artística


740 Desenho e Artes decorativas


741 Desenho e Desenhos


742 Perspectiva 


743 Desenho e Desenhos Por Assunto


744 [não atribuído]


745 Artes decorativas


746 Artes Têxteis


747 Decoração de Interiores


748 Vidro


749 Móveis e Acessórios


750 Pinturas e Pinturas


751 Técnicas, Equipamentos, Materiais e Formas


752 Cores


753 Simbolismo, Alegoria, Mitologia e Lenda


754 Pinturas de Gênero


755 Religião


756 [não atribuído]


757 Figuras Humanas


758 Outros Assuntos


759 Tratamento Histórico, Geográfico e de Pessoas


760 Artes Gráficas; Gravura e Estampas


761 Processos de Relevo (Impressão Em Bloco)


762 [não atribuído]


763 Processos Litográficos


764 Cromolitografia e Serigrafia


765 Gravura Em Metal


766 Mezzotintura, Aquatintura e Processos Relacionados


767 Gravura e Ponta Seca


768 [não atribuído]


769 Impressões


770 Fotografia, Fotografias e Arte Computacional


771 Técnicas, Equipamentos e Materiais


772 Processos de Sal Metálico


773 Processos de Impressão de Pigmentos


774 Holografia


775 Fotografia Digital


776 Arte Computacional (Arte Digital)


777 [não atribuído]


778 Campos e Tipos de Fotografia


779 Fotografias


780 Música


781 Princípios Gerais e Formas Musicais


782 Música Vocal


783 Música Para Vozes Individuais; a Voz


784 Instrumentos e Conjuntos Instrumentais


785 Ensembles com Um Instrumento Por Parte


786 Teclado e Outros Instrumentos


787 Instrumentos de Cordas


788 Instrumentos de Sopro


789 (Número Opcional)


790 Artes Recreativas e Cênicas


791 Apresentações Públicas


792 Apresentações de Palco


793 Jogos e Diversões Indoor


794 Jogos de Habilidade Indoor


795 Jogos de Azar


796 Esportes e Jogos Esportivos e Ao Ar Livre


797 Esportes Aquáticos e aéreos


798 Esportes Equestres e Corridas de Animais


799 Pesca, Caça e Tiro


800 Literatura e Retórica


801 Filosofia e Teoria


802 Miscelânea


803 Dicionários e Enciclopédias


804 [não atribuído]


805 Publicações Seriadas


806 Organizações e Gestão


807 Educação, Pesquisa e Tópicos Relacionados


808 Retórica e Coleções de Literatura


809 História, descrição e Crítica


810 Literatura Americana Em Inglês


811 Poesia Americana Em Inglês


812 Drama Americano Em Inglês


813 Ficção Americana Em Inglês


814 Ensaios Americanos Em Inglês


815 Discursos Americanos Em Inglês


816 Letras Americanas Em Inglês


817 Humor Americano e Sátira Em Inglês


818 Escritos Diversos Americanos


819 (Número Opcional)


820 Literaturas Inglesas e Inglesas Antigas


821 Poesia Inglesa


822 Drama Inglês


823 Ficção Inglesa


824 Ensaios Em Inglês


825 Discursos Em Inglês


826 Letras Inglesas


827 Humor e Sátira Ingleses


828 Escritos Diversos Em Inglês


829 Inglês Antigo (Anglo-saxão)


830 Literaturas de Línguas Germânicas


831 Poesia Alemã


832 Drama Alemão


833 Ficção Alemã


834 Ensaios Alemães


835 Discursos Alemães


836 Letras Alemãs


837 Humor e Sátira Alemã


838 Escritos Diversos Alemães


839 Outras Literaturas Germânicas


840 Literaturas de Línguas Românicas


841 Poesia Francesa


842 Drama Francês


843 Ficção Francesa


844 Ensaios Franceses


845 Discursos Franceses


846 Letras Francesas


847 Humor e Sátira Francesa


848 Escritos Diversos Franceses


849 Literaturas Occitanas e Catalãs


850 Literaturas Italianas, Romenas e Afins


851 Poesia Italiana


852 Drama Italiano


853 Ficção Italiana


854 Ensaios Italianos


855 Discursos Italianos


856 Letras Italianas


857 Humor e Sátira Italianos


858 Escritos Diversos Italianos


859 Literaturas Romenas e Relacionadas


860 Literaturas Espanholas e Portuguesas


861 Poesia Espanhola


862 Drama Espanhol


863 Ficção Espanhola


864 Ensaios Em Espanhol


865 Discursos Em Espanhol


866 Letras Espanholas


867 Humor e Sátira Espanhola


868 Escritos Diversos Em Espanhol


869 Literatura Portuguesa


870 Literaturas Itálicas; Literatura Latina


871 Poesia Latina


872 Poesia Dramática e Drama Latino


873 Poesia Épica e Ficção Latina


874 Poesia Lírica Latina


875 Discursos Em Latim


876 Letras Latinas


877 Humor Latino e Sátira


878 Escritos Diversos Em Latim


879 Literaturas de Outras Línguas Itálicas


880 Literaturas Helênicas; Grego Clássico


881 Poesia Grega Clássica


882 Poesia Dramática e Drama Grego Clássico


883 Poesia Épica e Ficção Grega Clássica


884 Poesia Lírica Grega Clássica


885 Discursos do Grego Clássico


886 Letras Gregas Clássicas


887 Humor e Sátira Grega Clássica


888 Escritos Diversos do Grego Clássico


889 Literatura Grega Moderna


890 Literaturas de Outras Línguas


891 Literaturas Indo-europeias Orientais e Celtas


892 Literaturas Afro-asiáticas; Literaturas semíticas


893 Literaturas Afro-asiáticas não semíticas


894 Altaico, Urálico, Hiperbóreo e Dravidiano


895 Literaturas do Leste e Sudeste Asiático


896 Literaturas Africanas


897 Literaturas nativas norte-americanas


898 Literaturas nativas Sul-americanas


899 Literaturas Austronésicas e Outras


900 História e Geografia


901 Filosofia e Teoria


902 Miscelânea


903 Dicionários e Enciclopédias


904 Relatos Coletados de Eventos


905 Publicações Seriadas


906 Organizações e Gestão


907 Educação, Pesquisa e Tópicos Relacionados


908 Tipos de Tratamento de Pessoas


909 História Mundial


910 Geografia e Viagens


911 Geografia Histórica


912 Atlas, Mapas, Gráficos e Planos


913 Geografia e Viagens no Mundo Antigo


914 Geografia e Viagens na Europa


915 Geografia e Viagens na Ásia


916 Geografia e Viagens na África


917 Geografia e Viagens na América do norte


918 Geografia e Viagens na América do Sul


919 Geografia e Viagens Em Outras Áreas


920 Biografia, Genealogia e Insígnias


921 (Número Opcional)


922 (Número Opcional)


923 (Número Opcional)


924 (Número Opcional)


925 (Número Opcional)


926 (Número Opcional)


927 (Número Opcional)


928 (Número Opcional)


929 Genealogia, nomes e Insígnias


930 História do Mundo Antigo até aproximadamente o ano 499


931 China no ano 420


932 Egito no ano 640


933 Palestina no ano 70


934 Índia no ano 647


935 Mesopotâmia e Planalto Iraniano até 637


936 Europa Ao norte e Oeste da Itália até aproximadamente o ano 499


937 Itália e Territórios Adjacentes a 476


938 Grécia Para 323


939 Outras Partes do Mundo Antigo até aproximadamente o ano 640


940 História da Europa


941 Ilhas Britânicas


942 Inglaterra e País de Gales


943 Europa Central; Alemanha


944 França e Mônaco


945 Península Itálica e Ilhas Adjacentes


946 Península Ibérica e Ilhas Adjacentes


947 Europa Oriental; Rússia


948 Escandinávia


949 Outras Partes da Europa


950 História da Ásia; Extremo Oriente


951 China e Áreas Adjacentes


952 Japão


953 Península Arábica e Áreas Adjacentes


954 Sul da Ásia; Índia


955 Irã


956 Oriente Médio (Oriente Próximo)


957 Sibéria (Rússia Asiática)


958 Ásia Central


959 Sudeste Asiático


960 História da África


961 Tunísia e Líbia


962 Egito e Sudão


963 Etiópia e Eritreia


964 Costa noroeste da África e Ilhas Offshore


965 Argélia


966 África Ocidental e Ilhas Offshore


967 África Central e Ilhas Offshore


968 África Austral; República da África do Sul


969 Ilhas do Sul do Oceano Índico


970 História da América do norte


971 Canadá


972 América Central; México


973 Estados Unidos


974 nordeste dos Estados Unidos


975 Sudeste dos Estados Unidos


976 Centro-sul dos Estados Unidos


977 Centro-norte dos Estados Unidos


978 Oeste dos Estados Unidos


979 Região da Grande Bacia e Encosta do Pacífico


980 História da América do Sul


981 Brasil


982 Argentina


983 Chile


984 Bolívia


985 Perú


986 Colômbia e Equador


987 Venezuela


988 Guiana


989 Paraguai e Uruguai


990 História de Outras Áreas


991 [não atribuído]


992 [não atribuído]


993 Nova Zelândia


994 Austrália


995 Melanésia; Nova Guiné


996 Outras Partes do Pacífico; Polinésia


997 Ilhas do Oceano Atlântico


998 Ilhas Árticas e Antártida


999 Mundos Extraterrestres


Cenas de um Casamento

— Rê, você ainda me ama?

Renato continuou enxugando as mãos. Dedos enrugados. Gostava de suas mãos, que Márcia dizia ser de ogro.

— Esse clichê de novo, benzinho?

Márcia tinha um daqueles sorrisos tímidos e introspectivos, dedões do pé enormes. Gostava de chanel e dizia ser eterno, mesmo com o Renato grunhindo que ela não tinha mais idade pra "esse cabelinho".

— Fala, fala, amor?

— Ah...

— Amo, porra.

— Estúpido.

Márcia era um clichê mesmo. Botava as mãos na boca para sorrir. Empinava a bunda na frente do espelho, torcia o pescoço para trás como uma ave esdrúxula e ficava contemplando seu par de nádegas. Odiava celulite e gostava de chocolate. E do Renato.

— Má, sabia que sua mãe é gostosa?

Márcia encobre a os lábios com mãos. Surgem dois olhos castanhos comuns, comuníssimos. Depois ri mostrando a gengiva.

— Isso também é um clichê, sabe que não ligo...


A mãe de Márcia é alcoólatra e problemática. Márcia passou a vida de clínica em clínica, vendo sua mãe se deteriorando “física e psiquicamente”. Márcia gostava dessas expressões, lembrando de seu pai, outro clichê (advogado: bem sucedido). "Moral e fisicamente". Lembra que o pai tinha mãos minúsculas e sempre estava folheando papéis. Aproximava a face no papel para ler, comprimindo os olhos para focalizar. Seu pai vertera-se em suas lembranças num binóculo desfocado.

Seu marido sempre dava um jeito de enfiar sua mãe bêbada em suas conversas, tentando incutir uma sensação de normalidade ao fato de sua sogra ser uma velha bêbada.

A velha começou a beber como um clichê, sentia-se só, o marido tirava bandidos da cadeia enquanto ela bebia hi-fi.

Nunca teve tempo pra filha ou para a esposa. Disso Márcia não podia reclamar: achava muito "fofo" que seu marido tentasse verbalmente construir uma vida "normal", expelindo para longe uma mulher precocemente envelhecida e bêbada, cuja satisfação era causar pequenos escândalos no prédio velho onde morava. Renato transformara a velhota em uma gostosa, numa tara de Nelson Rodrigues. E repetiam-se os dias: "você me ama", "sua mãe é gostosa?" e o gesto diário de olhar estrias na bunda. Márcia com a mão na boca.

Renato costumava dizer que conheceu "a velha" pelo cheiro antes de ser apresentado aos outros sentidos. Márcia tapava o rosto rindo.

— Rê, pega um chocolate?

— Isso dá celulite.

O telefone tocou. A velha tinha pulado do décimo quarto. Renato resolveu toda a burocracia. IML. Foi interrogado por um investigador querendo mostrar serviço, novato, tentando incluir "a velha" numa história rocambolesca de traição, conspiração e herança. Terminada a burocracia com 007, a velha foi enterrada. Sentem-se culpados por sentir alívio.

"Sabia que sua mãe é gostosa?" era uma espécie de pêndulo, de compasso da relação. Era um yin yang quotidiano. "você me ama?".

Na ausência da velha, Renato e Márcia se esbarravam, não sabiam o que fazer, até iniciarem um novo ciclo. Começava com Márcia perguntando:

— Amor, você acha que meus peitos estão caindo?


Thiago Cardoso

O maior homem do universo – parte I

Davi crescera acostumado à sensação de ser O Outro. Desde que compreendera tanto sua identidade quanto a concretude do mundo, abandonando o solipsismo característico da infância, afastara-se deste mesmo mundo de forma intuitiva, como uma reação impressa em seus genes (que, se investigados, quem sabe não contassem histórias milenares parecidas). Criara-se um menino arisco, calado, disposto a entregar tudo para não depender de tudo. Tinha medo do que o cercava, fosse gente ou circunstância, passado ou futuro. Desenvolvera uma ansiedade crônica por intermédio disso, porém sentia na alma que essa postura temerária o perseguia desde que Universo havia deixado de ser uma singularidade, e que suas reações tão peculiares diante da vida eram somente ecos, não tensões com a própria realidade. Davi era o que era; e, por fim, já beirando a casa dos trinta, começava a entender essas coisas. Deixara de lamentar as suas vãs incongruências, as suas inquietações com o banal de nossos dias. Mas as reações por si continuavam. Era sua natureza, embora agora mais acomada e compreendida. E foi esse seu modo de vida que o catapultou contra um adversário da vida, aquele que se manteria para sempre o seu antagonista absoluto. O problema tinha um metro e setenta e quatro de altura, noventa e sete centímetros de busto, cinqüenta e dois de cintura e noventa e nove de quadris, longos cabelos castanhos repletos de luzes, uma boca carnuda, grossa, cartunesca, olhos límpidos, azuis como o céu daquela tarde, o nariz fino e rebitado como se exigia a uma princesa.

Anelise flutuava pela 24 de Outubro, e era imperatriz também daqueles domínios. Seus cabelos castanhos pingados de ouro brilhavam intensamente sob o sol, enquanto nos dois lados da avenida alguns vassalos restavam atônitos diante do seu poder. Ao aguardar o sinal na esquina com a Goethe, Anelise virou o olhar para o céu. Uma infinitude de azuis percorria o espaço. O sol, mesmo tão poderoso, entrava difuso pelas grossas lentes de seu Louis Vitton, aquele de aro branco pelo qual tanto era apaixonada. Sentia que mesmo das sacadas dos prédios lhe observavam, e ela as percorria com os olhos, contente, embora aquela arquitetura setentista não lhe agradasse.

O sinal ficou verde para Anelise. As listras brancas do asfalto estavam pintadas ali para traçar o seu caminho em mais um desfile aberto a tantos olhares entorpecidos, perdidos que estavam diante dos volantes, ou lá dentro do ônibus, segurando a bolsa de alguma velhinha. Todos os sexos a contemplavam. Salvo a inveja mais legítima de algumas mulheres, elas a admiravam plenamente. Para as mais jovens, Anelise era sinônimo de ideal a ser atingido; para as senhoras, representava uma beleza nostálgica e repaginada pelos novos tempos e suas modas. Era o início do verão, e Anelise trajava uma saia branca Chanel sutilmente plissada, cujos movimentos hipnotizantes decoravam coxas fortes e reluzentes. A blusinha de lã estampada da Colcci se desregrava, pondo à mostra aquela cintura de taça de tulipa, coberta por uma fina pele bronzeada. Os seios não abusavam de nenhum decote vulgar, mas se aprumavam como montanhas gêmeas, suas curvas dotadas daquele ideal que é imperfeito geometricamente mas perfeito em sua impressão total, capaz de excitar o mais fugidio dos olhares. Não se ousaria na prosa fácil imputar movimentos bailarinos a essa esplêndida Anelise, porque a força com que enterrava suas sandalhas Gucci na calçada vinha mostrar a todos a superioridade da beleza enérgica, intrépida, orgulhosa. Assim é que deviam ser as mais cantadas princesas das cortes clássicas. Pois agora a beleza antiga se rendia às marcas globais da haute couture e do artesanato muscular das academias de ginástica. E era isso que Anelise representava, portando o ar nobilíssimo e altivo o qual compartilham na História todas as deusas da beleza.

Porém, aquele não era um dia qualquer. Os astros haviam se alinhado, e o reflexo do fenômeno incidia diretamente sobre Porto Alegre. Os semáforos enlouqueciam, os cachorros latiam, as atendentes da repartição pública sorriam (zombeteiras). Davi desceu do ônibus e pôde ver que a rua estava vazia. Acabara de acordar do cochilo durante a curta viagem, custo da noite insone – custo tão recorrente que já vinha em débito automático. Dessa vez nem bebera tanto, mas o bafo de cerveja já fazia parte do seu organismo, a digestão já tendo dificuldades em prescindir do suco gástrico de cevada. Contemplou os dois lados da Padre Chagas e andou, andou firme, de tão absorto. Como sempre, trazia o seu uniforme: o óculos grosso e intimidativo, o velho casaco preto, de quem já morreu, e um livrinho amigo debaixo do braço. Vinha junto de Davi uma carcaça, um endoesqueleto de plástico, exíguo de proezas, se bem que até coberto de alguma resistência, pois não era fácil essa vida de carregador de livros e HQ’s. Vivendo num arrastar fantasmagórico, quase que impersonalizado, o espírito vê-se na necessidade de se dobrar, de inventar coisas, de surgir com intenções e desejos totalmente inéditos para juntar forças e rebocar o que sobra do indivíduo. Davi gostaria muito de poder se livrar desse substrato incômodo, ou de obter a chance de trocá-lo, quem sabe trocá-lo seguidamente, como um refil. Ou como a pele de um lagarto. Não que restasse grande coisa debaixo disso, embora não fosse muito modesto ao avaliar suas capacidades intelectuais. De qualquer forma, o que o amedrontava mesmo era perceber que não era um caolho em terra de cego, mas um homem azul em terra de povo amarelo e elite vermelha.

O vento apertou, e Anelise teve que segurar a saia para não causar maiores estragos ao trânsito da avenida. Mas logo livrou todas aquelas pobres almas de suas penitências ao dobrar a esquina da rua do banco. Prosseguiu firme, como sempre, contemplando os desenhos que o sol fazia sobre a escultura babilônica, enquanto a mente ponderava horários e compromissos. Não que tivesse muitos; o caso é que não era das mulheres mais decididas. Vivia desmarcando encontros e mudando trajetos em cima da hora, porque uma alternativa qualquer, então quase esquecida, subitamente iluminava-se, como aquele anel H Stern que ganhara ano passado. No momento ela até tinha lá alguma segurança sobre seu destino; vinha de um pequeno passeio no parque, depois de uma tentativa frustrada de marcar com algumas amigas um chimarrão ao fim da tarde, e voltava para, quem sabe, sua casa. Não gostava de ficar vagando pelas redondezas, assim, meio perdida, embora sempre surgisse algum amigo ou estranho para lhe oferecer um pouco de seu tempo.

Aconteciam os momentos de desligamento total de Anelise, sim, aconteciam; ela podia ficar completamente ignorante de sua influência sobre o ambiente, mesmo que por poucos segundos. É que há certos pensamentos que são inadiáveis, são instantâneos, mas sabia que devia ter um maior controle sobre si mesma. Agora, por exemplo, ela rememorava todas as histórias do seu último fim de semana na praia, e as imagens surgiam com muita força, intrépidas. Com tantos momentos especiais avultando-se em sua cabeça, dobrou a esquina com um grande sorriso no rosto. E poucos foram tão felizes quanto aqueles que a vislumbraram naquele instante. Será que imaginariam o que viria a seguir, a poucos metros de mais um instante sublime?

Pois um homem não olhou para Anelise. Nem sequer se moveu. Não fosse pelo movimento dos dedos sobre a mesa do bar, o dariam como morto. O mundo congelou-se então. Anelise observava aquele homem como a quem observa algo repugnante. Mas logo a repugnância deu vazão à curiosidade, uma curiosidade ao estranho. Impunha-se uma ponta de ansiedade, nervosa que estava ficando com aquele descaso. O homem mantinha sua concentração no livro, numa pose de quem descansa no sofá de casa enquanto a TV só empresta ruído ao ambiente, como agora o movimento da rua repetia, e os carros buzinavam, e o couro e a camurça batiam sobre as pedras da calçada. Por que não olhava? Por que não olhava? Que rebeldia estranha, uma tola afronta aos instintos, ao faro das ruas, aos andares, à sedução pública. Quem ousaria neste século revolver a mais irremediável das instituições, que é o olhar que se furta? Anelise nutria agora uma esperança telecinética, com a visão a imaginar aqueles olhos baixos e engarrafados penetrando na sua carne. Não adiantava, não se mexiam.

Anelise desistiu e virou-se para prosseguir. Seus pensamentos já não eram assim tão vãos, pois incidiam sobre aquele homem como uma turba contida. Claramente não era acostumada à inquietude, mas que dirá então a ser ignorada? Entregar-se àquele sujeito insignificante? Permitir que tal fato se consumasse? Era quase uma distopia. Desvirou-se, os cabelos rodopiando sobre os ombros, e a boca comprimindo-se num furor mal disfarçado de insipidez elegante. Firmou o passe em direção à mesa. Olhava, e desviava o olhar. Insistia, prosseguia, o coração pulsando, impelido por um inédito temor. A insignificância do sujeito não a dissuadia, como se por caridade estivesse oferecendo a ele um momento único, histórico. Anelise bem que poderia tentar esquecê-lo, mas aquele rosto pueril e compenetrado de qualquer forma teria deixado alguma marca sobre o fundo impressionável da sua mente.

Desviou o caminho. Ou tentou, porque ao esbarrar no garçom repentino, teve que, sem cerimônias, esgueirar-se por entre ele e a cadeira do estranho homem. A cena era ridícula, Anelise sabia disso. Não obstante, sentou-se, recolhida a uma das mesas mais próximas, quase de frente para ele, de onde podia continuar mirando o não-movimento de sua postura enigmática. Observava-o fixamente, de uma maneira constrangedora, tanto que já havia algum burburinho entre algumas meninas perto do balcão. Enquanto isso, do outro lado, um bando de rapazes suplantava o seu bate-papo com comentários sobre os prodigiosíssimos atributos de Anelise; que beleza era essa que, mesmo distraída, emanava a essência ativa, buscando os menores espaços da indigência mundana para inspirar o culto báquico, uma adoração redentora, uma realização magnífica.

Mas havia um homem capaz de revolucionar tal universo. Anelise não fora só pega de surpresa; mais do que isso, fora jogada em outra realidade, como quem acorda sufocando na pressão do oceano. Mesmo em seus instintos mais primários, nunca pensara na hipótese daquele homem existir. Sobre o mundo dela havia compêndios, enciclopédias, tratados e hagiogramas, inspirações divinas e arrebatamentos mundanos que jamais registraram um só passo daquele ser. Onde estava? E quem o jogou neste mundo?

Anelise não podia suportar. A beleza nunca foi pré-requisito para a resiliência, pelo contrário, talvez fosse sua antítese, ao menos na selva humana. Sua face dantes dourada e aguda começava a partir-se como louça antiga, e o esplendor de sua postura ruía como uma torre taromântica. Havia uma revolução em andamento, porque aquele homem inexpressivo e monolítico deslocava o centro de gravitação da belíssima Anelise como um demônio copernicano. Uma lágrima percorreu o calor de sua bochecha e repousou no couro frio da Victor Hugo.

O homem finalmente ergueu o rosto. O coração de Anelise disparou de vez, e ela se encolheu na cadeira. Seu suor reluzia pelo decote como lâminas em curva, provocando diversas reações pelo ambiente, reações que não mais lhe importavam. O homem girou o pescoço e pôs-se a observar a rua e a calçada, repousando o maciço livro na mesa. Anelise trocava de posição na cadeira a cada segundo. O homem pôs a mão no queixo e enfim deslocou o olhar para dentro do ambiente. Por um centésimo de segundo, cravou seus olhos nos olhos de Anelise (que respirou fundo), depois passou em seguida para as meninas do bar e então de volta ao seu livro. Anelise quase saltara da cadeira, e por pouco não riu de si mesma, tamanha a extravagância da situação. Mas o mundo é estranho, sabia, eternamente estranho. Limitou-se a sorrir quando concebeu o grau de ridículo em que se metera. Tal constatação lhe trouxe uma espécie de alívio, como quem escapa por pouco de um estado de demência. Suspirou, e olhou em volta, percebendo o fato de ainda ser o centro do universo visível. Ergueu o tronco e jogou os cabelos, e dessa vez a cadeira é que encolheu ante sua postura. Ali em frente estava o homem, e não era um homem, era um sujeitinho qualquer, pois agora ela voltava a ter discernimento. Um homem muito estranho, com barba onde teria rosto, com cravos onde teria barba. Seu nariz ossudo sustentava um óculos de aro grosso e lente funda, e a boca, nervosa, mastigava o ar com timidez. Lia alguma coisa a ver com Nietzsche, uma capa estranha, com escama de peixe, e folheava com a rapidez de quem enxerga as palavras mas não as lê. Onde é que estaria a atenção dele naquele momento?

Anelise nunca havia pensado onde é que estaria a atenção de alguém. Antes que mais novidades sobreviessem, levantou-se rapidamente e pôs-se para fora dali com todo aquele ímpeto de andar de passarela, podendo ouvir os gritos de protesto e de adeus, mas sem poder matar a curiosidade. Porque não olharia para trás. Não mais contribuiria para a existência vaga e nefanda daquele guri. Não mais.

Até que chegou na esquina e teve um ataque súbito de consciência retroativa. O guri não olhara. Não olhara. Tinha certeza, não olhara. De alguma forma, a realidade havia se remodelado. Estava incontida e angustiada; mas com quão magnífica visão era agraciado o guardador de carro do outro lado da rua, e o executivo antes nervoso ao telefone, e o motorista agora esquecido dos problemas. Que caridosa era a beleza de Anelise! O Senhor olha por nós!

Davi tinha certeza de que aquela moça havia olhado para ele, mesmo que por um segundo. Entendia o suficiente de mulheres para prognosticar seus olhares; eram geralmente sinais claríssimos de atenção. Mas Davi não podia conviver com isso, ah não, porque prognosticar as mulheres sempre se mostrou uma tarefa árdua, perigosa, coisa de especialista, e tais especialistas ou são gays ou são completos idiotas, pensava. Não queria ver-se enroscado mais uma vez na trama espessa e confusa da arquitetura feminina, percorrendo o caminho já bem conhecido entre a dúvida e o acúmulo de mais dúvida, a restar as incomodações típicas, estas sim bem conhecidas e eternamente diagnosticadas. Ora, bastava de elocubrações, porque de fato não houve beldade alguma distribuindo olhares generosos – é claro que não, repetia para si mesmo.

Davi afundou a cara no livro. Seus ouvidos se aguçaram, restituindo as ações do ambiente na tridimensionalidade de sua cabeça. Repetia cinco linhas de um mesmo parágrafo até que pudesse acompanhar toda a retumbante passada de uma mulher que se dirigia vibrante ao banheiro, e demorava-se sobre palavras desfocadas enquanto notava o tilintar de pratos, copos e xícaras, ruídos que de picotantes findavam harmoniosos e serenos, mentalizando um cenário de pessoas completamente ignorantes de sua beleza, na qual elas próprias participavam. Além disso tudo, além da frugalidade universal, não havia muito que Davi pudesse perceber, e por isso é que tomou já um susto muito grande quando alguém se aproximou e se dirigiu a ele, alguém que não era um garçom. Do susto foi ao pavor quando pôde entender que ser era aquele que se materializara à sua frente.

Anelise segurava a alça da bolsa com firmeza junto ao corpo. A tensão do encontro cara a cara era ainda maior do que havia imaginado. Em seu trajeto de volta, ela viera desde a esquina mordendo os lábios num estado de ansiedade que jamais imaginou para si, nem nos mais aquilatados eventos dos quais tanto participava (aliás, que beleza era essa que não impedia tais temores?).

— Comece a sorrir – ela falou baixinho, se inclinando.

— Oi?

— Comece a sorrir – repetiu, com uma risadinha sem graça.

Era um pedido ou uma ordem? Davi não teve lá muitas dúvidas e sorriu timidamente. Anelise fez o que pôde para transformar o seu próprio sorriso forçado n’um contentamento genuíno.

— Agora finja que nos conhecemos – falava por entre os dentes cerrados, buscando o máximo de discrição. Davi, muito admirado, já intuía um tom sério e formal.

— Olá!...

— Anelise – completou ela, mais baixinho.

— ...Anelise!

— Ane, melhor Ane – Davi quase não ouvia mais sua voz.

— Ane! Tudo bem? – e Davi se levantou intrepidamente da cadeira, exclamando “Não tinha te visto!”. Formidável ator, sem dúvidas, já que tremia por dentro. Fez menção de avançar o rosto para cumprimentá-la aos beijos, coisa de quem é íntimo, mas, além da estupenda e intimidante beleza, aqueles olhos cintilavam de um jeito estranho, ameaçador, como duas armas apontadas impedindo qualquer tentativa de movimento mais brusco.

Que encontro formidável este, de tensões infinitas! Entre eles uma troca incessante de olhares fugidios, como que temendo a suma batalha. Não por menos que Davi estivera ouvindo muito Enio Morricone nos últimos tempos – quem sabe seu instinto musical já previra o insólito confronto. E quem sabe não fosse mais agradável trocar o Moinhos de Vento pelo Velho Oeste, o Candy Blue por algum saloon caindo aos pedaços.

Mas haveria mesmo como pensar n’um confronto ao contemplar aqueles olhos verdes, tão maravilhosos? Aquela boca tão vívida e tão bem moldada? Aquele corpo tão matematicamente esculpido? Imaginar descaso ou vingança mesmo ao sentir aquele aroma, aquela essência alquímica inebriante? Anelise era um cadinho onde se misturavam as mais fêmeas das substâncias; o resultado era um disparate contra o intelecto casto, uma tentativa constante de liquidar a boa razão.

Davi nunca vira algo parecido, e por isso estava ainda mais curioso. Pediu outro café. O garçom ficou olhando para Anelise por diversos motivos, e também porque aguardava o seu pedido, mas ela logo o privou do deleite e disse-lhe que também queria um café. Com açúcar.

— Bem, e então? – disse Davi, finalmente. Já não agüentava mais. Continuava atuando muito bem, parecia calmo e sereno, sem nem imaginar o quanto crescia diante de Anelise com esta postura, tanto que ela agora evitava olhar nos seus olhos.

A resposta não vinha. Davi contemplava a mesa enquanto coçava a perna por baixo dela. Quem assistisse à cena imaginaria se tratar de um casal em crise, embora só abstratamente, pois que nunca conceberiam sequer um beijo entre aqueles dois personagens.

O celular de Anelise tocou, e a vibração oca sobre madeira assustou-a como um tiro. Irritadíssima, desligou o aparelho, esbravejando baixinho, visivelmente transtornada.

— Desculpa, é o seguinte – disse, e parou de repente, fitando os olhos redondos de Davi, como que acordando para a realidade. Começou a rir, e o sangue fervente fazia-a enrubescer ainda mais. Um sarcasmo acríssimo sibilava por seus olhos, como o escape do que refletira brevemente – isso só pode ser brincadeira! Será que estou ficando louca?

Davi, aflito, também queria a resposta. Foi abrir a boca, quando o garçom repousou duas xícaras na mesa, e então decidiu se ocupar com o café.

— Quem é você, afinal? – foi o que ela perguntou. Não havia pergunta mais difícil e nebulosa no Universo. Quando Davi a repensou, seu cérebro quase explodiu, e o que Anelise via eram só piscadelas, rapidíssimas, como um olhar de criança.

— Por que você quer saber? – Não lhe parecia haver réplica mais precisa do que esta. Anelise achou-o rude, mas jamais ele quis sê-lo. Assim como acontece com as crianças.

— Eu sempre fiquei imaginando como seria esse dia.

— Que dia?

— O dia em que eu sentaria por minha própria vontade à mesa de um estranho e o retardado perguntaria o que eu estou querendo.

Davi olhou bem nos seus olhos desta vez, enquanto ela ria afetadamente. Sim, ela realmente quisera dizer aquilo. Então, um estalo – Davi sorriu (não sem assustar Anelise) e pôs-se a perscrutar as paredes, o teto e a movimentação na rua em busca da câmera escondida.

— É uma pegadinha? – enfim perguntou, e achou que Anelise ria de sua ingenuidade, quando na verdade ela achava incrível os dois estarem pensando na mesma hipótese. Porém, quem seria idiota a ponto de montar um enredo tão nonsense? se perguntou.

— Qual é o teu nome?

— Davi...

Anelise estendeu a mão, e se cumprimentaram. Davi estava cada vez mais incrédulo, e foi a vez de perguntar:

— O que você quer?

— Nada, é que gosto desta cadeira.

Davi riu e continuou procurando câmeras.

 

Renan Santos

Sultanato

1.

Antes do alarme de seu relógio despertador, seus olhos se abriram e soube que o horário de ir ao seu trabalho aproximara-se. Resolveu interromper o seu galo portátil antes que começasse a cantar e a acordar toda sua família. São, ao todo, junto como cachorro, e sem ele, 8 pessoas. Hoje é dia de pagamento, o que lhe traz uma sensação ambígua. Todo seu pagamento iria para o sustento de seus irmãos, dízimos à Igreja que sua mãe freqüentava, além de remédios e garrafas de bebida para seu padrasto. Olhou, na penumbra, o olhar de um santo, perguntando a si mesmo porque os santos têm olhares piedosos? Há, ainda, em sua casa, vestígios de todas religiões que sua mãe, estoicamente, alternou durante todos os anos. Não era de se espantar que ali, junto à bíblia aberta no salmo 91, houvesse um santo acólito a observar toda a família. Virou-se, pois não gostava de ser encarado – mesmo que esse olhar viesse de um santo – com piedade. Seu bairro passa por dificuldades na transmissão de energia elétrica, por isso há velas disponíveis por toda casa. Pensou em atear fogo sobre si, sobre seus irmãos e mãe, além do padrasto, por onde começaria pelo bigode. Abandou a idéia, porque, além do cheiro insuportável que tal incêndio produziria, ouviu o ruído da chuva, que, naturalmente, apagaria o nascente incêndio – deixando seus 5 irmãos parcialmente deformados, seu padrasto e sua mãe. Teria que encará-los depois, e essa visão era desanimadora. Não nutria ódio por eles, mas uma profunda vontade de tê-los longe. Deformados seriam ainda mais onerosos. Olhou, novamente, toda família em profundo sono, não o sono dos justos, o sono tranqüilo dos abastados, mas um sono apocalíptico; pois cada dia parecia mais uma guerra do que um mero dia. Pensou em acender velas e colocá-las nas mãos dos dormentes para tornar mais luminosas suas vidas-mortas ou mortas-vidas.

Uma vela apaga-se facilmente com um suspiro. A vida humana é consumida como a parafina de uma vela ardendo. Pensou que um suspiro, um suspiro fatal do destino, ou mesmo de Deus, havia apagado a chance de ser consumido como uma vela, pois se atribuía apenas o direito de trabalhar, prover o sustento de sua família e não falar muito, ou reclamar, acreditava que tal situação era imposta por forças exteriores, e encarar, diariamente, o olhar piedoso do santo, era uma terrível ironia que suportaria, mesmo não sabendo o porquê de tal imposição, não iria contestá-la.

Seu barraco, de manhã, tinha o estranho cheiro de café, água-ardente, pomadas, que, juntos, embrulhavam seu estômago, tirando-lhe o apetite matinal que tinha antes do estabelecimento, por definitivo, do homem com o qual sua mãe vive. Esbarrou, sem querer, na bíblia aberta no salmo 91, e, talvez por coincidência, caiu nos trechos finais do apocalipse.

Taças. Sentiu sede, assim como a sede que Jesus experimentou na cruz. Bebeu um gole de café morno, antes de pisar para fora de seu quintal e dirigir-se à estação de trem.

2.

Hoje seria dia de pagamento, o que lhe dava a efêmera sensação de descanso físico-psíquico. O balanço do trem, em dias normais, bem poderia ser comparado aos navios negreiros, mas, quando sabia da eminência de seu pagamento, seu balanço tinha o delicioso balanço das gôndolas vienenses. Ao chegar à construção onde trabalhava como auxiliar de pedreiros, notou uma movimentação estranha, havia pessoas estranhas em seu local de trabalho; um homem de terno, perfumado, saía de um belo carro estacionado do outro lado da rua, e juntava-se aos outros estranhos. O que pretendiam aqueles homens ? Demiti-los? A sensação de uma demissão lhe causara uma ambígua sensação similar à que provou ao pensar no incêndio de sua casa – mas, se houvesse incêndio ou demissão, onde (e do que) viveria? Achou mais prudente não pensar no assunto, passou longe dos homens reunidos próximos à pequena construção onde faziam suas refeições. Seus colegas de trabalho, todos pedreiros de profissão, efusivos desde a manhã, cantando, gritando, falando obscenidades em tom alto, estavam, também, por causa dos homens reunidos, apreensivos, comunicando-se por olhares, cochichos e pequenos empurrões. A visita desses cavalheiros teve o poder de calar seus colegas de trabalho, o que lhe fez pensar que seria um dia ainda mais agradável do que todos os outros.


Na casinha onde faziam suas refeições, já na hora do almoço, todos os autorizados a realizarem o almoço em primeiro tempo, começaram a tecer especulações sobre a vinda dos homens de terno. ‘Marco, você sabe de alguma coisa?’. ‘Não, não sei’. ‘Posso ficar com um pedaço desse seu bife?’. Poderia não dar o bife para seu companheiro, mas sabia que, lhe dando, teria o silêncio do loquaz pedreiro que se punha a imaginar a repentina visita. Os homens de terno, depois de sua saída para almoço, que, aproximadamente, durou 2 horas, voltaram, para depois, definitivamente, partir, deixando-os ainda mais curiosos.


Já estava com a pele coberta de cal, esbranquiçada, o que fazia seus amigos zombarem do contraste de sua escura pele negra com o branco da cal, dando-lhe apelidos pouco convenientes. O que não irritava em si, mas o tom gritante e brusco que eram feitos. Havia, entre eles, dois pedreiros por quem cultiva certo respeito; os dois, além de sérios, contavam-lhe histórias sobre as prostitutas do centro de S. Paulo, sobre preços, sobre a tarifação, sobre como escolhê-las, como diferenciá-las de um travesti e até como pechinchar! Explicaram-lhe, os dois, que as prostituas mais baratas são as melhores e que não há frescuras com elas. Mostraram-lhe, também, que as prostitutas caras, além de frígidas, não faziam, facilmente, as mesmas coisas que as baratas faziam. A despeito da feiúra e repulsa que uma puta barata pode causar, ensinaram-lhe que não se devia ater, por muito tempo, no rosto delas, sob a pena de perder a ereção.

3.

Já tarde, ansiava para pegar o seu pagamento. Recebeu o dinheiro em um envelope branco amassado. Desconfiava sempre da quantidade do dinheiro que ali estava depositado; mas, por precaução (e vergonha), evitara abri-lo diante de seus patrões.

Dentro do ônibus parado em um engarrafamento, pensou, novamente, em sua mãe moribunda: nas religiões que se sucederiam ano após ano; em seu padrasto bêbado, fétido; seus irmãos sujos, maltrapilhos; os remédios, as garrafas de cachaça e dízimos. Lembrou-se de seus amigos, que já contavam experiências sexuais. Contavam-lhe sobre seios, coxas, pernas, orelhas. Diziam sobre o cheiro das mulheres. Detalhes sobre posições. Palavras. Gestos. Já estava cansado de, quase diariamente, masturbar-se e levantar tijolos. Via os carros enfileirados, inertes, buzinando. Os homens esbravejam. O sol se punha no horizonte. O cheiro do suor. Homens desabotoavam alguns botões de suas camisas. Pêlos apareciam. Axilas. O batom das mulheres já não tinha vermelhidão. Eram bocas esmaecidas. Gritou dentro de si: ‘é hoje’. Saiu apressadamente do ônibus, esbarrando nas pessoas, para ir à rua.
Na primeira padaria pediu um copo de conhaque. Bebericou-o. Quase desistiu de terminá-lo. Teve vergonha de não continuar e decidiu, de um único gole, tomar toda a bebida. Perambulou pelo centro da cidade. O efeito do álcool estava surtindo alguma mudança em seu comportamento. Foi até o meretrício, onde podia observar uma mulher que pudesse desvirginá-lo. Olhou-as rapidamente. Decepcionou-se. A maioria era de péssima aparência. Se não fediam, usavam perfumes ainda mais torpes. Algumas tinham dentes de ouro. Outras não tinham todos os dentes. Metade delas tinha pernas grossas, quase bestiais. Caminhavam pesadamente nas esquinas. Peitos que caiam.

Murchos e já anunciando estrias. Não queria concebê-las nuas. Muito menos – mesmo animado momentaneamente pelo conhaque – tinha vontade de se aproximar. Ouviu um homem negociar o preço e percebeu que a quantia era barata para o valor de seu salário. Poderia ludibriar sua mãe e afirmar que havia recebido um salário menor nesse mês. Nesse instante teve medo de contratar um serviço de um travesti, o que lhe fez apertar o passo e sair rapidamente daquele lugar.

Sentiu-se com uma ilha, circundada pela feiúra e fedor por todos os lados. Não haveria belas mulheres no mundo? Não haveria cabelos lisos, claros, unhas limpas, pernas suficientemente grossas sem bestialidade? Colos ebúrneos? Vozes polidas? Perfume?


‘Na Augusta’, pensou. Sim, tinha diante de si a solução e problema, cuja equação jamais poderia resolver: uma noite com uma prostituta deste nível iria lhe levar todos seus rendimentos, obliterando, então, todo estoque de pomadas, remédios, garrafas de pinga e alimentos para sua mãe, padrasto e irmãos. Como poderia encarar Santo Expedito? Como poderia ver as chagas de sua progenitora. Seu padrasto estaria longe do fétido odor dos bêbados? Enquanto pensava nas inúmeras possibilidades, desfavoráveis e favoráveis à sua causa, viu-se diante de mais bela mulher que podia ter diante de si: canelas finas, coxas devidamente talhadas sem a bestialidade e a excessiva magreza; olhos azuis, cabelos castanho-claro; esmalte delicado em dedos pontiagudos. Percebeu que a pequena beldade se aproximava, acompanhada de uma outra mulher. Elas o olhavam. Tinha vergonha e curiosidade, o que lhe fazia desviar o olhar e focar novamente em seus corpos. Rindo elas tocaram em seu braço ‘está perdido?’. Balbuciou algo que não poderia ser definido como ‘sim’ ou ‘não’. Não sabia como lhes perguntar o ‘preço’. Não sabia o que dizer. Se as ofenderia. Se poderia ser recebido. Estavam sorridentes diante de si, mas não as entendia. Suado e esbranquiçado pela cal, parecia um andrajoso mendigo. ‘Gostou de nós?’, perguntaram. ‘Sim.. errrr, qunt.. ‘ Antes de terminar a frase, a mulher dos dedos pontiagudos dizia ‘os negros tem o pinto muito grande... vou cobrar mais caro de você’. Sua amiga soltou uma discreta gargalhada e terminou ‘por isso é que eu vou dar um desconto pra ele... não agüento mais esses brochas, executivos do pau pequeno’.

Antes de gozar ele conheceu o paraíso por cinco minutos.


Thiago Cardoso

Réquiem para a Inocência

A lua estava magnífica. A escuridão pontilhada do céu se rendia a um halo azul, que brilhava, hipnotizante. Havia uma camada de vapor inebriante no ar. Enquanto a luz incidia em tons azuis e cinzentos sobre as formas e curvas que despontavam da penumbra na sacada, Rose inspirava a atmosfera da noite. Relaxando aos poucos sobre a espreguiçadeira de vime, a mulher puxou os cabelos castanhos, reconfortando-os sobre os ombros e parte do encosto. O olhar à lua esplêndida foi baixando até que contemplou cada vinco, cada curva e cada minúsculo pêlo do abdômen, brilhando soturnos, como a relva orvalhada numa madrugada fria. A temperatura amena daquela noite não abalou a sua naturalidade na sacada; sentia-se viva, entregue nua ao luar, enquanto uma brisa gostosa vagava de vez em quando pela superfície da pele, causando minúsculos arrepios. Ergueu um pouco as pernas, vislumbrando o corpo belo e liso, a pélvis jovem, há muito pouco tempo maculada. Achava-se linda como nunca, via-se naquele momento como uma escultura grega exposta à iluminação divina, invejada por uma Afrodite incapaz de provocar tumultos sobre a Terra. Quisera Rose que sua vida se contivesse neste quadro quase mitológico de beleza e juventude, incapaz ainda de se misturar às tantas diferentes figuras humanas que com insistência poluem o ideal do Absoluto.

Ao lado da espreguiçadeira, descansava um papel de carta dobrado sobre um banco de madeira. Rose deslizou o braço até o objeto e, com a ponta dos dedos, o trouxe até seus olhos, focando-o como se fosse agora reler tudo com mais atenção, mesmo a minúcia de uma vírgula sendo perscrutada com energia. Se daquele corpo banhado pela luz da noite parisiense emanava uma lascívia tão plena e aparentemente tão segura, dos olhos raiavam archotes azuis de uma angústia contida, auto-piedosa e infantil. O olhar, ainda que doce, balançava pra lá e pra cá com força e perplexidade, contrastando de maneira atroz com o ideal helênico ali formado. Era como se Zeus pusesse a deusa à prova de sua própria magnitude humana, sem a qual jamais poderia constituir-se no inconsciente dos homens, transcendentalíssima. Você é uma dádiva da natureza, assim lhe dizia o autor da carta, diversas vezes, sentindo sua respiração nervosa, apaixonada.


“Querida Rose,

Hoje eu finalmente consegui meu papel e minha caneta, que há tanto pedia para a segurança. Está certo que eu não fui o homem mais humilde do mundo quando o fiz, mas, convenhamos, eu sempre acreditei que a piedade dos homens aumentaria num ambiente lúgubre como este. Talvez meu erro seja este; acreditar que a piedade sequer seja passível de se manifestar aqui, que dirá mensurada. Foi Royenne (lembra dele?) quem me disse uma vez que a pena só pode vir acompanhada de temor, temor de que algo semelhante ocorra para si. Rose, é incrível o que fizeram com estes soldados, sim, soldados, porque é assim que convém chamá-los. O Estado de Medo é tão bem sistematizado, tão bem executado, tão direto ao ponto ótimo que ele é capaz de despertar todos as manifestações contrárias ao que se esperaria. Quando o medo desperta a frieza, quando o medo desperta a indiferença, quando o medo desperta a racionalização de todas as coisas é porque, de fato, o trabalho de dogmatização foi muito bem feito (o “bem feito” aqui com um significado muito diferente, totalmente contrário ao que uma vez lhe ensinei, Meu Amor).

Mas dessas coisas todas já falamos, e me basta ter repetido as vezes que já repeti em nossas proveitosíssimas tardes no Memorial, minha linda Rose. Venho, na verdade, por meio desta, dar meu Adeus definitivo, e, quando você estiver lendo esta linha, espero que nossas mentes ainda possam estar conectadas como sempre estiveram. Oh, Rose, eu sinto tanta falta sua. Desculpe pelo borrão, mas, como já lhe falei, esta foi a única e fortuita folha de papel que eu poderia ter recebido aqui nesta cela. Quanto ao meu ato falho, tenho certeza de que não preciso explicar a razão.

Sinto uma dor aqui dentro e uma ansiedade que jamais senti nestes 33 anos de vida. Já corri por todos aqueles lugares e já fiz todos aqueles salvamentos que lhe contei tantas vezes, e nunca meu coração esteve próximo desta força descomunal com que bombeia agora o sangue do meu corpo, cheio de um último baque de vida realmente desfrutada. Não me é possível contar nos dedos das duas mãos as vezes em que senti o bafo ardente da morte, e, ainda assim, cada uma delas jamais seria capaz de superar a intensidade vivida em nossas noites à sós. Não estou sendo um tanto repetitivo e prolixo por acaso, minha amada. Perdoe-me por isso, mas é minha última mensagem e o seu último olhar pra dentro de minha alma. O que não se pode ver nos olhos pode se captar na palavra, e agora é justamente isso que me falta. É tanta coisa que gostaria de dizer, somado à falta de um método de edição mais econômico, que minhas últimas palavras soarão exatamente como minhas últimas palavras, como se você agora pudesse me segurar agonizante em seus braços, como nos filmes mais românticos e trágicos. Mas não é o conforto dos seus braços que agora me sustenta. Não que esta cama seja ruim, sabe, amontoando aqueles dois lençóis grossos que me deram até que dá pra fingir, quando fecho os olhos, que ainda descanso em casa. O cheiro é que é terrível, lembra muito o almoxarifado da Dona Marble, mas eu já me acostumei a respirar pela boca desde o dia em que pus os pés aqui. Só pode ser ironia que minha morte venha justamente pela inalação. Mas é assim que a maioria dos detentos aqui preferem que se dêem suas condenações. Talvez eles tenham a ilusão de que é possível morrer sem um mínimo de agonia derradeira. Eu não acredito nisso, você sabe. Lamento, na verdade, que haja tanta covardia mesmo quando seus dias, seus minutos, seus segundos já estão contados. Não falei antes do temor e da piedade? Pois a covardia só pode existir onde existirem ambos, e os três só onde não se é possível prever o futuro. Engraçado, agora, falando assim, até me sinto um tanto privilegiado. É aqui neste lugar que o indeterminismo encontra seu fim, percebe? É aqui que uma parte da filosofia encontra seu grande desafio. Não é apenas nossa condição de seres mortais que passa por um questionamento altamente remissivo, mas também nossas atitudes mundanas, nossos caminhos, nossas experiências. Não pense que eu nunca imagino que você deva se culpar por este meu destino, minha linda e pobre Rose; e este seu sentimento é algo que temo desde que vislumbrei o seu último e doloroso olhar de desespero enquanto fechavam as portas do camburão. No entanto, peço-te, por favor, que contenha pensamento tão abjeto e ao mesmo tempo tão ingênuo, ainda que eu saiba ser essa uma tarefa extremamente difícil, quase impossível para uma mulher, sempre tão passional; que dirá para uma menina. Engraçado eu pedir que se rejeite justamente o comportamento que mais contribuiu para arrebatar o coração deste pobre homem aqui. Oh, arrebatar, era essa a palavra. Se eu pudesse resumir esta carta em uma palavra tão importante, se eu pudesse transparecer todos os sentimentos que perspassam minha alma neste momento, eu resumiria tudo em: Arrebatamento. Amor que arrebata, Verdade que arrebata, Condenação que arrebata – e a Morte, que por si só é a epítome do Arrebatamento.

Quisera eu não precisar falar d'Ela neste momento, mas é que da própria folha em que escrevo emana um odor funesto, quem sabe imperceptível se nela estivessem escritas palavras auspiciosas vindas diretamente do Juiz-Mestre, quem sabe um pedido de desculpas do Gabinete. Ora, Deus é um sátiro, só pode ser isso... Meu tempo neste mundo acabando, minha alma já em uma atmosfera de despedida, e, neste instante, eu reservo em minha mente, até mesmo em meu coração (e me dói dizer-lhe isto) mais espaço para o Príncipe Negro do que para você, Deusa dos meus sonhos.

Oh, é inevitável, meu amor, me perdoe. Você nem bem possui ainda uma noção exata das jurisdições dos homens (assim o penso, e de toda forma posso estar cometendo o mesmo erro de julgamento dos outros, principalmente dos que me lançaram à Ela), nem mesmo é capaz de abarcar na sua doce juventude a extensão, a influência e a grandeza das incertezas amorais e imorais de nossos tempos. Tudo o que lhe é possível de ser explicado eu já cheguei perto de explicar, lhe garanto. Você não está assistindo a uma contradição de promessas – as minhas contra as deles –, embora, com certeza, assim deva lhe parecer. Como eu já havia lhe dito diversas vezes, aguarde pelas explicações mais estapafúrdias. As palavras, feias, desconexas e até mesmo exageradamente eruditas e solenes para um mocinha soarão como um desagravo de uma situação julgada inevitável, para eles inevitável desde a origem do Universo. Você perguntará; é isto a Justiça? Tanto importa o que eles irão retorquir, mas a sua tréplica será a mesma, saltitando da esfera mais fundamental de sua essência, que é a mesma minha e, sim, a mesma deles, pois que a Justiça ultrapassa todas as barreiras do tempo, que dirá das idades (lembra-se?) Isto não é necessário eu lhe repetir.

Será na meia-noite de terça-feira que serei extinto, e então, é forçoso contar-lhe, minha bela Rose, algo ocorrerá dentro de ti. O tempo irá parar, e tudo ao seu redor irá escurecer, como se o silêncio no espaço engolisse o próprio coração, que já nem sabe porque ainda pulsa. Eu sei que o é assim, pois já senti o mesmo, e não o foram poucas vezes, como sabes. Mas você resistirá, minha anja. Você se encontrará como a criatura mais solitária do Universo inteiro por milênios – embora não dure isso –, mas você resistirá. Você resistirá porque já terá lido minha carta e estará atenta ao seu redor; não com seus belíssimos olhos, mas com sua consciência. Você saberá que minha ruína post-mortem não será exclusividade sua, mas será partilhada por cada um daqueles que estiverem assistindo à minha sentença (por que eles fazem isso, Rose? Quando o fiz, também não soube dizer, e até hoje não compreendo). Cada uma daquelas pessoas, homem ou mulher, criança ou adulto, também mergulhará em seus próprios abismos, experimentarão suas próprias micro-ruínas. Como exemplo, eu continuarei vivo. A Morte irá lhes cuspir na cara como um palhaço negro. A culpa jamais encontrará sua causa física – é possível que os carrascos, soldados últimos desta Máquina da Injustiça, sequer realizem que sou um homem –, mas tomará todo o recinto. Quando a Ordem for mais uma vez corrompida, esta sombra dominará a câmara muito mais rápido do que o gás, e será muito mais fatal, muito mais imediato e ao mesmo tempo muito mais residual. Ela o será para sempre, num movimento eternamente revolucionário, conflagratório. Do ser ao ser. Do homem ao homem. Não sou eu que o desejo. É a Natureza. Se como defesa ela não serve ao homem (este homem de hoje), que sirva então como lição. Não sou um defensor do hedonismo, oh, jamais seria, Deus me livre. Não julgue-me como um sacripanta do prazer, aproveitador das sensações. Não julgue-me como vingador, mas como uma bilionésima parte de um mártir histórico, ético e moral. Eu sou o próprio Karma em símbolo. Que seja assim, então, e que em outra realidade o Homem aprenda a aceitar a si mesmo e aos seus instintos.

Oh, pequena Rose, me perdoe. O que acabo de fazer?

Te amo,

Pela eternidade,

M. C.”


Era uma tarde de quinta-feira muito fria quando Rose empertigou-se no sofá, ouvindo os passos serenos e resolutos da velha Marie-Glesson. A senhora sentou-se à sua direita, sem proferir uma palavra sequer. Por um longo minuto, ficou observando os olhos úmidos e acanhados da pobre Rose. Marie parecia não se importar com absolutamente nada. As maçãs do rosto estavam rijas, mas logo sua feição foi se encrespando, lentamente, até o ponto de ebulição.

Por que você insiste em ler esta carta, menina, perguntou ela. O que é que você procura? Uma despedida, um alento, uma desculpa, um sentido? Qual é o propósito disso tudo? Qual é o seu ganho com esta situação? Você só tem a perder, aliás, você só perdeu. Não bastam as coisas já serem tão difíceis como sempre foram? Por que vocês, pessoas, nunca descansam, nunca suspendem esse fluxo teimoso de julgamentos e de desejos? Vocês acabam perdendo a noção da própria lógica. As afeições e os juízos morais se misturam e se confundem de uma forma impressionante. Ao mesmo tempo tão grande coração, ao mesmo tempo tão egoísta. Ao mesmo tempo uma mulher perdida em uma paixão impossível, ao mesmo tempo uma menina esquecida junto à contagem ordinária dos anos. Isso não é suficiente para você?

Pára. Escute-me, sua tonta. Quando foi que você esqueceu que tem apenas treze anos? Ora, você não pode agir assim, pode? Não adianta às pessoas que elas comportem-se como animais; sempre, sempre lhe disse isso – diabos, é exatamente isso que você deveria ter aprendido, pois é isso que lhe foi ensinado neste lugar. Não importa nem como as coisas são, nem porque, mas o que fazemos a partir delas. Está certo que, de alguma forma, suas ciências desenvolveram-se muito habilmente, e você é capaz de ludibriar alguns tolos quanto à sua real identidade. Mas o Sistema está além disso, está além de você, está além de qualquer cenário que você tenha imaginado em suas fantasias pueris com aquele homem e com qualquer outro homem. Não, eu não quero saber se você o amava ou não, mesmo porque essas declarações não valem nada para Eles. O que você faz ou deixa de fazer para si própria pode não ser da minha conta, muito menos da minha responsabilidade. Vocês ganharam a independência há mais de um século – embora, eu deva admitir, dada sua condição, que um novo preceito deveria ser aberto. Mudaram suas obrigações, mudaram suas esferas de ação política e até mesmo foram mudadas leis que jamais lhe diriam respeito, mas que, por conveniência política, ultrapassaram o senso lógico comum.

Por que você me olha desse jeito? A Natureza lhe deu o direito de ser como você é, mas não é Ela quem rege os homens. Não agora, e você sabe muito bem disso. Não chore, não ouse chorar. É por sua causa que um homem vai morrer amanhã, e nada pode apagar este fato por si. A Justiça é muito mais velha do que você. Então, se você tem o destemor de quem vivesse numa anarquia, se você se dá ao luxo de querer agir sem compromisso com as conseqüencias, demonstre um mínimo de honra e coragem face ao seu destino. Melhor, o destino de outro. Sim, um outro. Cale-se, idiota, eu já lhe disse que esses predicados de nada valem, nunca valeram. Não há sociedade que se baseie nessas particularidades que vocês, crianças, tanto valorizam. Não há maneira de haver Ordem sem um encontro com os valores mais fundamentais da vida humana, Rose. E o que é que você não compreende disso tudo? Não conseguiria ser mais clara com você do que isto. Escute, eu não quero saber o que aquele homem pensa. Ademais, eu não daria atenção àlguma à carta escrita por um moribundo, fosse quem fosse. Você sabe que, apesar de tudo, sinto muita pena dele, e este sentimento me basta. Um bombeiro deveria merecer uma morte mais digna. E quando digo isto, não estou preocupada com o método utilizado, mas sim com o fato decisivo para tal sentença.

Ainda não consigo acreditar... simplesmente não consigo acreditar. Quando penso em você, já sei exatamente todas as razões implícitas para uma decisão tão estúpida, e acabei de referi-las quase todas. Porém, quando penso neste homem... Ora, não fale esta palavra perto de mim, não a repita mais uma vez sequer. Não se atreva, Rose. Desde o dia em que soubemos de sua anomalia, eu prometi a Deus dar o mundo para que você se desenvolvesse da melhor maneira possível. E você não era feliz, Rose? Você não era? Você não tinha uma vida pela frente, não tinha sonhos? E o que lhe resta agora, Rose? Oh, Deus, por quê...


Quando o primeiro zero da meia-noite de sábado transformou-se em um, aquele homem já estava morto. Ele não proferiu nenhuma última sentença, nenhum discurso final, nem agonizou, e seu cadáver jamais sofreu espasmo algum. Certas pessoas chegaram a dizer que ele não esperava nada do outro lado. A maioria delas desejava, posto assim, que o homem ardesse no mais lívido Inferno. Quanto à anomalia de Rose, ela não foi totalmente controlada, mas pouquíssimos casos se repetiram nesta Era, enquanto que aquela seria a última condenação capital por pedofilia sob tal Constituição.


Renan Santos

Nós, o banquete

Roger era canibal desde os vinte anos, quando descobriu o sabor esplendoroso de uma bela carne humana. Sua visita, Ana Lúcia, não tinha conhecimento disso, pois que recém chegara ao bairro e já fora logo aceitando o convite de jantar do novo vizinho, um homem alto, belo e solteiro. Eram dez da noite quando a campainha tocou. Roger recém havia desligado o forno. Pôs a carne já devidamente fatiada sobre a mesa e correu para atender a porta. Cumprimentaram-se, ambos ainda um tanto sem jeito, banhados numa atmosfera de flerte e novidade. Ana Lúcia elogiou o arroz com legumes e a carne de porco ao molho de laranja, sem jamais desconfiar que estivesse degustando os músculos de um homem chamado Elias Tobán, um chileno gordo, velho conhecido de Roger.

Conversaram sobre os arredores, sobre comidas e enfim sobre si mesmos.

— E então? O que realmente te traz para estas bandas? – perguntou Roger, com um olhar cheio de calor, terminando de engolir o naco fibroso. A mulher sorvia o vinho com rapidez.

— Ah, mudanças... Mudanças, sempre elas. Sempre fui uma mulher muito independente e bem vivida, uma metamorfose... uma metamorfose ambulante. Saí de casa muito cedo. Logo que me formei, coloquei minha pastinha debaixo do braço e me mandei pra São Paulo. Lá trabalhei em cinco agências. Anos depois fui pro Rio à convite de um amigo, diretor de uma firma de design, e hoje estou aqui.

— Tu és designer...

— É, agora largando um pouco essa função, finalmente. Estou vendo o que se pode tirar de veia administrativa deste corpinho. Entrei num negócio de webdesign, com dois amigos gaúchos que fiz no meu mestrado em Sampa.

— Ah, tu tens mestrado... Que legal. Então gostas de viagens e de estudo.

Ana sorriu, encabulada com o olhar bajulador do homem.

— Olha, nunca fui de muito estudo não. Mas sempre fui apaixonada pela minha área, e por isso não parei de me aprimorar. Acho importante, não é?

— Claro. Sem dúvida – Roger riu de um jeito forçado, desconcertante. O rosto perdido da sorridente Ana aguardava uma resposta – Desculpa, é que tu tens mesmo cara de designer. Impressionante.

— Ah, é, é? E qual seria o perfil, posso saber? Não, na verdade estou brincando, eu sei bem como é o estereótipo. Um visual moderno, mas sem exageros típicos de publicitários e artistas, mais clean. Uma independência exibida, um tipo de orgulho diferente, adorando falar de suas mudanças. Ah, claro, um cabelo não muito longo, repicadinho, que nem o meu...

Caíram na gargalhada, cada vez mais à vontade. Depois houve um breve silêncio de olhares oblíquos, rompido por Roger:

— Sabe, eu tenho um lado artístico também.

— Ah, tem? Pois devo te dizer que assim, de cara, você aparenta um advogado, administrador ou coisa do tipo. Que foi? Estou falando sério! Não que você pareça muito certinho, não tem esse ar não. Mas, a julgar pela sua casa, pelas suas decorações, até mesmo pelas descrições que fez dos teus vizinhos, parece um homem do tipo “clássico”, se isso não te ofende.

— De forma alguma. Considero até um elogio.

— Ah, mas você sabe, eu sou designer... Posso não ter a visão mais neutra de “estética pessoal” – disse a moça, com um riso cada vez mais solto, o vinho aos poucos tomando-lhe as rédeas – sabe quantas vezes aceitei um simples jantar a sós como programa para a noite? Uma vez, com um ex lá de Belo Horizonte.

— Ele era clássico?

— Não exatamente, ele era conservador mesmo. Carola, reacionário. Um porre em determinadas ocasiões. Mas era uma gracinha e tinha um coração enorme.

— Tu não pareces ser o tipo de mulher que dê muita bola para algo como o espírito político. Eu particularmente louvo isso. Por mais idealistas que sejamos, no fim das contas o que sempre nos importa é a sensação primária das coisas, do mundo, das pessoas.

— Ah, na verdade, eu sou sim idealista. Mas, se formos o tempo todo tão exigentes, ou tão profundos nas nossas críticas, por mais que elas sejam verdadeiras, nos cansaremos rapidinho desse mundo – a moça apoiou o queixo sobre o punho, contemplando a grande janela da sala. Entre as cortinas amarronzadas, podia ver o reflexo da lua nas folhas das árvores.

Roger observava atentamente cada movimento do rosto da morena. A língua se mexia dentro da boca cerrada, sedenta. Seus olhares atentos se chocaram mais uma vez. A mulher prosseguiu:

— Talvez eu tenha encontrado um jeito de ser idealista na minha especialidade. Ah, já faz tempo isso. Confesso que hoje em dia dedico muito menos atenção à arte em si.

— Ora, que pena. Engraçado que quanto mais passa o tempo, mais me admira a beleza, a qualidade estética, tanto da natureza de Deus (perdoe-me se você for atéia) – ao qual ela fez uma deferência afetada – quanto da natureza do homem. Às vezes me sinto uma criança diante de um quadro, de um filme, até de uma música. Da mesma forma que os gregos, pra mim o justo é exatamente o que é belo. Por isso, no fim, tu tens muita razão quando me chama de clássico. Os costumes e a maneira de se lidar com o mundo nada mais são do que um reflexo da visão estética que a pessoa tem, não achas? Jamais apreciei Picasso e amo as obras de Rembrandt. Não tenho interesse algum em Nova York e meu sonho é morar em cidades como Glasgow ou Roma.

— Você tem razão. Isso basta pra se entender as atitudes de uma pessoa. Meu Deus, que curiosidade! Afinal, o que você faz da vida, homem?

Roger estufou o peito com um olhar blasé, para ver se arrancava-lhe mais risos.

— Sou, ou fui fotógrafo – ela arregalou os olhos – Bem, há muito tempo que não pratico a fotografia como deveria, e agora tenho pensado até em me dedicar à literatura, tentando me concentrar como posso. Porém, ainda amo a fotografia acima de tudo.

— Nossa, e eu arriscando até advogado. Agora entendo plenamente o papo sobre arte. Juro que você não parece escritor, que dirá fotógrafo. Estes não costumam ter um cabelo ousado? Usar colete?

— E um brinquinho.

Riram muito, o entusiasmo dela ainda muito mais efusivo. As longas pernas já se moviam com nervosismo debaixo da mesa, bagunçando a seda negra. Roger se levantou da cadeira estofada, avisando que iria pegar mais uma garrafa de vinho, e Ana Lúcia já imaginou o perigo que trariam mais duas ou três taças. Contudo, ela estava estranhamente mais do que disposta ao que quer que viesse daquele homem, que se movia e caminhava com a impavidez do bronze esculpido. Contemplou demoradamente as pernas, as costas e as nádegas de Roger conforme ele se dirigia ao bar ao lado da cozinha. Piscou os olhos com rapidez, surpresa, quando se deu conta de estar mordendo o lábio inferior. Achou graça. Há muito tempo não se sentia tão jovem, tão solta de amarras. Talvez o tempo vivido nas outras capitais houvesse lapidado uma rocha distinta. Porto Alegre era terreno novo, e o tal fotógrafo-escritor, com apenas uma hora de conversa, se mostrava totalmente diferente de todos os homens que conhecera. O mistério tomava cores da irresponsabilidade sem culpa.

Roger colocava o vinho sobre o bar, sacando o abridor, enquanto outros pensamentos borbulhavam em sua mente.

— Que tapado! Esqueci da sobremesa! – bradou, contemplando os pés inquietos de Ana Lúcia; do ângulo de Roger, eles margeavam o pilar do balcão como serpentes. Do ângulo de Ana Lúcia, o calor da luz do bar incidia sobre as mãos fortes de Roger.

— Ah, não se importe com isso! Mas que eu já estou sentindo falta de um docinho, isso estou. Adoro chocolate, viu?

A voz vacilante da morena soava-lhe deliciosa. Um brilho cor de vinho luziu nos dentes do homem.

— Precisamente o que eu tenho aqui – um minuto depois de algum ruído na cozinha, Roger voltava para a mesa ostentando o vinho e uma taça larga de alumínio, cheia de morangos cobertos por uma calda grossa de chocolate, e entre os dedos duas barrinhas de chocolate – Vê o que tenho aqui. Será que saciamos teu desejo?

Ana Lúcia arregalou os olhos, segurando o riso sem graça.

— Nossa. Com certeza. Hm, adoro morango, há muito tempo não comia. Está doce que é uma maravilha! Insisto na sua classe. Sigo me perguntando o que há de excêntrico em você.

Roger arqueou as sombrancelhas e pareceu relaxar-se com ainda mais vigor, como se finalmente tivesse surgido a deixa esperada. Ana Lúcia lambia o chocolate das pontas dos dedos.

— Todos temos excentricidades – disse Roger – Na maioria dos casos, o superego simplesmente dá algumas concessões, cheias de capricho. Até o ponto em que nos vejamos num conflito de personalidade. Ou de simples atitudes. Dentro dos costumes desta sociedade, claro.

— Ou talvez a id não seja poderosa o suficiente. Chocolate com psicanálise? – suspirou Ana Lúcia, com um fastio repentino, extremamente afetado. Estava brincando, ou queria parecer estar brincando. Roger não; ele era resoluto no prosseguimento do assunto e a observava cada vez mais interessado.

— Nosso desejo mais profundo nunca é poderoso demais. É tudo uma questão de equilíbrio de forças dentro de nossas mentes. Até que ponto a vontade é sincera, e até que ponto a sinceridade é arbitrária? – Roger fez uma pausa e, ainda com a taça de vinho na mão, se inclinou lentamente sobre a mesa, adentrando os olhos reluzentes da morena – Eu, por exemplo, tenho certeza de que tua mais pura vontade neste momento é ir pra cama comigo – falou, peremptório, silencioso, quase chiando.

Não houve reação. Os globos de Ana Lúcia faiscavam como se a mesa estivesse tomada por velas, e uma gota de ansiedade (ou de medo, não podia distingüir) percorreu-lhe o rosto. O sorriso não lhe deixava os lábios úmidos. Que homem era aquele? As bocas vacilaram a poucos centímetros de distância, e um vapor emanou entre as peles saturadas da atmosfera sensualíssima. Roger enfim recuou, e Ana se segurou como pôde para não morder o lábio, enquanto um vento frio percorria sua espinha. Os olhos não se desgrudavam. Nunca um homem estivera tão perto de sua boca sem tocá-la. Que fenômeno se passava? Um espasmo da última conversa ainda exalou dos lábios trêmulos de Ana:

— Sem dúvida, ainda há um universo de coisas a se descobrir em ti...

Roger bebia o vinho aos poucos, degustando-o de uma forma virtuosa, num espírito contido, quase franciscano.

— Então perderíamos toda a graça de nosso jantar, ou mesmo de nossas vidas.

Ana via agora um estilo que nascia de lugares ainda mais profundos do que pensara. E o homem mais do que nunca sabia estar no poder. Isto era fatal. Mas não podia evitar.

— Quero te descobrir tanto quanto tu queres a mim. Não é assim que vivemos? Não são as expectativas que nos fazem seguir adiante? Muitas vezes não sabemos por que temos medo de determinadas coisas, ou nojo, ou o que quer que seja. Se eu te perguntasse agora: “tu aceitarias experimentar coisas que jamais imaginaste que experimentarias?”, o que é que tu responderias?

Ana Lúcia jogou-se no encosto da cadeira novamente. O seu sorriso ficava cada vez mais irresoluto, na mesma proporção do brilho de curiosidade em seus olhos. O jogo da dúvida, da sedução e da filosofia do segredo se embaralhavam de uma forma tão prazerosa quanto o próprio chocolate que restava sobre a língua. Homens e mais homens duros e sem sentido trespassaram a sua mente, como num fundo opaco. Sem hesitar, a morena derramou mais vinho para dentro da taça e bebeu tudo num só movimento, soltando um estalo de alívio no ar, saciada. A cabeça começava a balançar mesmo que parada, e as luzes da sala e do bar foram ficando mais brilhantes. A boca de Roger era um fio vermelho em meio ao paraíso dourado.

— O que é que tu responderias? – insistiu ele, segurando com leveza a mão dela, a expressão dura do rosto velando uma grande expectativa pela resposta.

— Eu não tenho nada a perder, tenho?

— Jamais. Só temos a perder quando nos arrependemos do que não aconteceu.

— Tem razão. Eu quero.

Roger abriu um largo sorriso, o coração bombeando sangue por detrás do véu de segurança. Estava em êxtase. Aproximaram seus rostos e estalaram os lábios, Roger recuando antes que o beijo se aprofundasse, como tanto Ana Lúcia esperava. Roger teve dó da sua expressão carente e ao mesmo tempo insaciável, mas é que os objetivos eram por demais superiores àqueles. Alguma forma de compensação pela vida subsistia na sua mente, alguma forma de doutrina que lhe apetecia transmitir a uma pessoa que num instante lhe parecia tão íntima. Roger tivera poucos amigos na vida, e alguns deles acabaram como banquete. Isso era extremamente significativo: ele tinha dado parte de uma antiga amizade sua para uma mulher, ela tinha compartilhado de seu prazer e de sua gula, ela tinha engolido a mesma alma que a sua. Bastava que ela aceitasse isso da mesma forma.

Roger levantou-se, puxando Ana Lúcia pela mão. Enredada pelo álcool, ela tropeçou algumas vezes nas sandálias, pedindo desculpas coradas ao homem, que agora mantinha uma postura mais séria. Chegaram à cozinha, e Roger abriu a geladeira, enquanto Ana sentava-se diante da mesa de acrílico, perdida, um pequeno arrependimento já despontando por entre a confusão na sua cabeça. O homem retirou um pote branco de plástico com uma tampa quadriculada vermelha e o pousou no meio da mesa, observando os olhos cintilantes da morena. Abriu o pote, e ali havia pequeninos filetes de presunto. O olhar de “o que significa isso” de Ana logo foi preenchido pela intervenção um tanto nervosa de Roger:

— Não, isso não é presunto comum – mentiu, porque haviam custado três e cinquenta na venda da esquina – Me escuta: quantas dietas uma pessoa tenta a vida inteira, Ana? Quantas vezes te falaram sobre o nojo de moluscos, de cérebro de ovelha, de língua de vaca, ora, se tem gente até com nojo de cebola? Qual é o valor destas coisas? Que são esses costumes, que variam muito além do que se pensa? Tu não sabes mais o que é isto que tem neste pote, e isso te assusta. Não me olha desse jeito, eu sei que o momento não é pra isso, mas pra mim é muito importante, Ana. Tu não sabes o quanto eu busco ensinar certas coisas. Tu não tens idéia. Eu vejo nos teus olhos que tu podes me compreender, eu vi antes e vejo agora. Vamos, Ana, por que tu não provas este minúsculo pedacinho? Só para sentir o gosto, é só o que eu te peço. Por que recuas? Do que tens medo?

Ela o encarava incrédula.

— Tu tens medo é do desconhecido. O que eu tenho de excêntrico é isto, tu achas? Te propor uma situação nova, algo pelo qual tu nunca passaste antes na tua vida? Eu sei que tu és uma mulher preparada pras coisas, senão nem estaríamos aqui agora. Tu, como tantas outras pessoas, não sabes o que é o verdadeiro medo, Ana.

Ana Lúcia se afastou de vez, recuando aos tropeços até a parede oposta. A imagem obscura de Roger crescera assustadoramente diante de si. As pernas da morena continuavam suando por debaixo da saia, só que agora por motivos bem distintos. Não sabia mais o que estava experimentando, e já receava até mesmo por sua vida. Gritou:

— Afinal, o que é que você quer que eu prove?!

Roger fez sinal de silêncio, a paciência visivelmente se esvaindo pelos olhos escancarados. Contido, retirou um dos pedacinhos de presunto do pote e o ofereceu na ponta dos dedos à mulher.

— Eu só quero que tu proves isto. Só quero que tu proves o desconhecido. Tu és capaz de lidar com o que não conheces? Não me parece. Enfim... mais do que pertinente agora é te perguntar o que é que vale mais para ti nas coisas do mundo: o valor da essência ou o valor do nome? Esta é a pergunta de todas as perguntas, Ana.

Uma lágrima rolou pelo rosto dela. Ninguém esperava aquilo. Roger fechou os olhos, decepcionado, balançando a cabeça, relembrando toda a conversa que tiveram.

— Me entristece muito o ato da revelação, a entrega de algo tão estigmatizado a ponto de te afastar da verdade sensitiva. Mas é assim que tem que ser. Isto é carne humana. Carne da tua carne, Ana.

Todas as terminações nervosas do corpo já tão ardente de Ana tilintaram numa seqüência de descargas de terror e repulsa. Desequilibrada, ela foi ao chão, contemplando um Roger ainda maior e mais ameaçador. Num átimo, todo o desejo que durante a janta havia concentrado, carregado pela ânsia do desconhecido e pelo buquê do vinho francês, dissipou-se numa nuvem de vapor gelado de arrependimento e sensação de perigo fatal e imediato. O homem alto, belo, solteiro e inteligente tinha um prazer, uma admiração por carne humana, e isto ia contra todos os seus princípios. Como podia enganar-se tanto com uma pessoa, já havia acontecido antes, mas não de forma tão rápida.

Roger observava com tristeza a morena correr desajeitada até a porta. A imagem dela mudara de forma espantosa. O vestido estava manchado, os cabelos bagunçados, as pernas lanhadas pela ação mais pura da ignorância, e não havia algo mais repulsivo para Roger do que a ignorância e seu imenso poder. Vida triste tinha um homem que via-se obrigado a deleitar-se com o proibido e o desconhecido. Contudo, ambos formavam juntos uma imagem tão excêntrica (era essa a palavra correta?), que por suas próprias condicionalidades justificavam o prazer do canibal. Roger invejava as tribos mais primitivas. Sabia no fundo que seu desejo não era tão puro quanto o deles. Tinha conhecimento de que era ao mesmo tempo diferente e hipócrita quando acusava os costumes, pois que por eles agia como agia. Tanto que não acabava agora com a vida de um ser humano pela simples gula, e sim para manter sua liberdade. “Eu não tenho salvação”, pensava repetidamente nos dias seguintes, cabisbaixo. “Ou são eles que não têm”.



Era uma linda noite de Setembro quando jantava à mesa com seus amigos de futebol. Dificilmente trocavam elogios tão afetados com Roger, mas não paravam de louvar a bela carne de porco. O homem ficou muito orgulhoso, ainda mais por que não esperava que o corpo tão esbelto de Ana Lúcia rendesse lá muito sabor.


Renan Santos